sábado, 9 de janeiro de 2010
MUNDO CIGANO.
MUNDO CIGANO.
VURDÓN
VURDÓN em romanês ou romaní, a língua dos Ciganos, significa "carroção".
É esse, de modo geral, o símbolo dos Ciganos. Mesmo daqueles que há muito tempo abandonaram a vida nômade.
A esse povo são dedicadas as páginas deste site, que contem:
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Maladilém baxtalé Roméntsa...
(encontrei Ciganos felizes...)
Mensagem aos Rom e aos Sintos
Rromále! Phralále!
Kalá lilá po Internet si rramosardé pála e gadjé kaj beshén ánde Itália te den vórba léntsa po rromanó trajo. Te von pindjarén maj but pe Rroménde von kam primisarén e Rromén maj lashés mashkár lénde.
Núma kalá lilá si vi pála e Rromá thaj e Sínturi, te zhanén maj mishtó léngri histórija thaj kultúra aj te avén maj zuralé ánde léngro rromanipé.
Te del tuménge o Del but baxt aj sastimós!
Rom! Phrále!
Kal lil an u Internet hi-le kerdé te penél pren u rómano djibén ap u gádje ke vonéna áni Italia. Jon dikén-le ap u Rom unt ap u Sínti fédar te djanéna kon hi-le unt har hi-lo u rómano vélto.
Ma kal lil hi-le nína fir u Rom unt u Sinti, te djanéna fédar léngri istória unt kultúra unt te avén zoralédar ánu léngri romanipén.
Te déla tuménge u Báro Déval but baxt unt súnthajt (sastibén)!
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Aspectos da história e da cultura "romaní"
Primeira Parte: Traços históricos.
Os Ciganos contam em uma de suas lendas que no passado tinham um rei, que guiava sabiamente o povo numa cidade maravilhosa da Índia, chamada Sind. Ali o povo era muito feliz, até que hordas de muçulmanos expulsaram os Ciganos, destruindo sua cidade. Desde então foram obrigados a vagar de uma nação a outra...
Mas, como dissemos, trata-se de uma lenda.
As informações mais seguras sobre suas orígens foram obtidas através de estudos linguísticos feitos a partir do século passado.
A comparação entre os vários dialetos que constituem a língua cigana, chamada romaní ou romanês, e algumas línguas indianas, como o sânscrito, o prácrito, o maharate e o punjabi, só para citar algumas, permitiu que se estabelecesse com certeza a orígem indiana dos Ciganos.
Todavia a razão pela qual abandonaram as terras nativas da Índia permanece ainda envolvida em mistério.
Parece que eram originariamente sedentários e que devido ao surgimento de situações adversas, tiveram que viver como nômades.
Segundo outra lenda, narrada pelo poeta persa Firdausi no século V d.C., um rei persa mandou vir da Índia dez mil Luros, nome atribuido aos Ciganos, para entreter o seu povo com música.
É provável que a corrente migratória tenha passado na Pérsia, mas em data mais recente, entre os séculos IX e X. Vários grupos penetraram no Ocidente, seja pelo Egito, seja pela via dos peregrinos, isto é, Creta e o Peloponeso.
Àquele período remonta a denominação Zíngaros ou Ciganos. De fato, a etmologia do nome Zíngaro ou Cigano é provavelmente constituida pelo termo grego medieval athinganoi, isto é, "intocáveis", atribuido a uma seita proveniente da Frígia; era também o nome atribuido a magos, adivinhos, encantadores de serpentes, ou seja, a um modo de vida próximo ao dos Ciganos.
A recente descoberta de um documento permitiu saber que em 1378 um rei búlgaro teria cedido a um monastério algumas vilas povoadas por Ciganos.
A chegada à Europa situa-se aproximadamente em 1417, e, dez anos mais tarde, em 1427, foram constatados em Paris Ciganos guiados por chefes que se faziam chamar duques e voivodos. De fato, para serem bem acolhidos, diziam ser peregrinos provenientes do Pequeno Egito (região do Peloponeso) donde a orígem do nome Gitanos (transformação de Egipcianos) atribuido a eles após o equívoco surgido com relação à sua proveniência.
Eles se diziam obrigados a vagar pelo mundo por sete anos como penitência; afirmavam que haviam sido perseguidos pelos Sarracenos e obrigados a renegar sua fé cristã. Os reis daquele tempo - sempre segundo eles - fizeram com que se dirigissem ao Papa, que lhes impôs uma penitência e lhes deu credenciais para que fossem bem acolhidos onde quer que fossem.
Além das coisas que os Ciganos contavam para que fossem bem tratados, sabe-se que a princípio o acolhimento foi bom porque o caráter misterioso de sua orígem havia deixado uma profunda impressão na sociedade medieval.
Porém, no espaço de alguns decênios, a curiosidade se transformou em hostilidade, devido aos hábitos de vida muito diversos daqueles que tinham as populações sedentárias. A presença de bandos de ex-militares e de mendigos entre os Ciganos contribuiu para piorar sua imagem; além disso as possibilidades de assentamento eram escassas, pelo que a única possibilidade de sobrevivência consistia em viver às margens das sociedades.
Os preconceitos já existentes eram reforçados pelo convencimento difundido na Europa que a pele escura fosse sinal de inferioridade e de malvadeza...o diabo, com efeito, era pintado de negro.
Os Ciganos eram facilmente identificados com os Turcos porque indiretamente e em parte eram provenientes das terras dos infiéis; eram, portanto, considerados inimigos da igreja, a qual, além disso, condenava as práticas ligadas ao sobrenatural, como a cartomancia e a leitura das mãos que os Ciganos costumavam exercer.
A falta de uma ligação histórica precisa a uma pátria definida ou a uma orígem segura não permitia que se lhes reconhecesse como grupo étnico bem individualizado, ainda que por longo tempo haviam sido qualificados como Egípcios.
A oposição aos Ciganos se delineou também nas corporações, que tendiam a excluir concorrentes no artesanato, sobretudo no âmbito do trabalho com metais.
O clima de suspeitas e preconceitos se percebe no florescimento de lendas e provérbios tendendo a por os Ciganos sob mau prisma, a ponto de recorrer-se à Bíblia para considerá-los descendentes de Cam, e portanto, malditos (Gênesis 9:25). Difundiu-se também a lenda de que eles teriam fabricado os pregos que serviram para crucificar Cristo (ou, segundo outra versão, que eles teriam roubado o quarto prego, tornando assim mais dolorosa a crucificação do Senhor).
Dos preconceitos se passou, aos poucos, a formas sempre mais acentuadas de discriminação, até chegar a verdadeiras e próprias perseguições.
Sabemos que na Sérvia e na Romênia foram mantidos em estado de escravidão por um certo tempo; a caça ao Cigano aconteceu com refinada crueldade e com bárbaros tratamentos. Deportações, torturas e matanças foram praticadas em vários Estados, especialmente com a consolidação dos Estados nacionais.
Sob o nazismo os Ciganos tiveram um tratamento igual ao dos Judeus: muitos deles foram enviados aos campos de concentração, onde foram submetidos a experiências de esterilização, usados como cobaias humanas, com todo tipo de inacreditáveis sevícias.
Calcula-se que meio milhão de Ciganos tenha sido eliminado durante o regime nazista.
Atualmente, os Ciganos estão presentes em todos os países europeus, nas regiões asiáticas por eles atravessadas, nos países do oriente médio e do norte da África.
Na Índia existem grupos que conservam os traços exteriores das populações ciganas: trata-se dos Lambadi ou Banjara, populações semi-nômades que os "ciganólogos" definem como "Ciganos que permaneceram na pátria".
Nas Américas e na Austrália eles chegaram acompanhando deportados e colonos; sucessivamente estabeleceram fluxos migratórios para aquelas regiões.
Recentes estimativas sobre a consistência da população cigana indicam uma cifra ao redor de 12 milhões de indivíduos. Todavia deve-se salientar que estes dados são aproximados, vez que, na ausência de censos, esses se baseiam em fontes de informação nem sempre corretas e confirmadas.
Na Itália inicialmente o grupo dos Sintos representava uma grande maioria, sobretudo no Norte; mas nos últimos trinta anos esse grupo foi progressivamente alcançado e às vezes suplantado pelo grupo dos Rom provenientes da vizinha ex-Iugoslávia e, em quantidades menores, de outros países do leste europeu.
Na Itália meridional já estava presente há muito tempo o grupo dos Rom Abruzzesi, vindos talvez por mar desde os Balcãs, cuja permanência no território é notável pela sedentarização análoga à dos Gitanos na península ibérica.
A hostilidade para com os Ciganos assumiu, no curso da história, múltiplos aspectos, passando desde tentativas de desaparecimento físico até a negação de uma cultura específica, à qual pertence, entre outras coisas, a vocação ao nomadismo.
Segunda Parte: aspectos da cultura romaní.
A organização social e familiar.
É quase supérfluo dizer que não existem e nunca existiram reis nem rainhas dos Ciganos, assunto predileto de jornalistas levianos e desinformados.
Através de um exame cuidadoso do comportamento social do nômade se destaca que o elemento preponderante de sua personalidade é caracterizado por uma forte tendência ao individualismo. O que conta em primeiro lugar para o cigano é a família, o núcleo composto por marido, mulher e filhos. Estes últimos, na economia tradicional de alguns grupos, representam uma notável fonte de subsistência, através da prática de esmolar e da leitura de mãos.
Os homens, atingida uma certa idade, são frequentemente iniciados em outras atividades que consistem em acompanhar o pai às feiras para ajudá-lo na venda de produtos artesanais.
Além do núcleo familiar se coloca a família extensa, que compreende os parentes com os quais sempre são mantidas relações de convivência no mesmo grupo, comunhão de interesses e de negócios, frequentes contatos se as familías perambulam por lugares diferentes.
Eis abaixo um exemplo sucinto de classificação da sociedade cigana (tirado em parte do livro Mutation Tsigane, de J.P.Liégeois)::
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grupo > subgrupo> nátsija (nacionalidade) > vítsa (descendência, leva o nome do chefe da estirpe) > família > indivíduo
ROM
Kalderásha
Serbijája (Sérvios)
Minéshti
Demítro
Márcovitch
Papinéshti
Jonéshti
Frunkaléshti
Moldovája (Moldávios)
Demóni
Jonikóni
Poróni
Grekúrja (Gregos)
Bedóni
Kiriléshti
Shandoróni
Vúngrika (Húngaros)
Jonéshti
Xoraxája ou Xoraxané ou Horahanê (Turcos)
Lovára
Churára
Machwáya
Boyásha (Ciganos de Circo)
SINTI (ou MANUSH)
Gáchkane (Alemães)
Estrekárja (Austríacos)
Valshtiké (Franceses)
Piemontákeri (Piemonteses)
Lombardos
Marquigianos
KALÉ (ou GITANOS ou CIGANOS)
Catalães
Andaluzes
Portugueses
Nota:
Enquanto que entre os Rom a classificação em "subgrupos" acontece com base em identificação de tipo ergonímico (denominação que traz orígem na profissão tradicionalmente exercida), entre os Sintos e os Kalé os subgrupos são geralmente designados segundo um conceito de natureza toponímica (referindo-se a lugares de assentamento histórico).
Diferentemente dos Rom, estes não conhecem outras classificações de "nátsija" e de "vítsa". Pode-se porém afirmar que o subgrupo entre os Sintos e os Kalé na realidade corresponda à "nátsja" dos Rom.
Com base nisso, o esquema de classificação social desses dois grupos pode ser configurado do seguinte modo:
grupo > subgrupo (= nátsija)> família > indivíduo
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Além da família extensa, entre os Rom encontramos a kumpánia, ou seja, o conjunto de várias famílias( não necessariamente unidas entre si por laços de parentesco) mas todas pertencentes ao mesmo grupo e ao mesmo subgrupo ou a subgrupos afins.
Como já dissemos, o nômade é por sua propria natureza individualista e mal suporta a presença de um chefe: se tal figura não existe entre Sintos e Rom, deve-se reconhecer o respeito existente com os mais velhos, aos quais sempre recorrem para dirimir eventuais controvérsias.
Entre os Rom a máxima autoridade judiciária é constituida pelo krisnitóri, isto é, por aquele que preside a kris.
A kris é um verdadeiro tribunal cigano, constituido pelos membros mais velhos do grupo e se reune em casos especiais, quando se deve resolver problemas delicados inerentes a controvérsias matrimoniais ou ações cometidas com danos para membros do mesmo grupo. Na kris podem participar também as mulheres, que são admitidas para falar, e a decisão unilateral cabe aos membros anciães designados, presididos pelo krisnitóri, que após haver escutado as partes litigantes, decidem, depois de uma consulta, a punição que o que estiver errado deverá sofrer.
Em tempos recentes a controvérsia se resolve ,em geral, com o pagamento de uma soma proporcional ao tamanho da culpa, que pode chegar a vários milhões de liras (vários milhares de dólares) ; no passado, se a culpa era particularmente grave, a punição podia consistir no afastamento do grupo ou, às vezes, em penas corporais.
Usos e tradições.
Os Ciganos não representam, como já se salientou, um povo compacto e homogêneo; mesmo pertencendo a uma única etnia, existe a hipótese de que a migração desde a Índia tenha sido fracionada no tempo e que desde a orígem fossem divididos em grupos e subgrupos, falando dialetos diferentes, ainda que afins entre si.
O acréscimo de componentes léxicos e sintáticos das línguas faladas nos países atravessados no decorrer dos séculos acentuou fortemente tais diversificações, a tal ponto que Sintos e Rom podem ser tranquilamente definidos como dois grupos separados, que reunem subgrupos muitas vezes em evidente contraste social entre si.
As diferenças de vida, a forte vocação ao nomadismo de alguns, contra a tendência à sedentarização de outros pode gerar uma série de contrastes que não se limitam a uma simples incapacidade de conviver pacificamente.
Em linhas gerais se poderia afirmar que os Sintos são menos conservadores e tendem a esquecer com maior rapidez a cultura dos pais. Talvez este fato não seja recente, mas de qualquer modo é atribuido às condições socio-culturais nas quais por longo tempo viveram.
Quanto aos Rom de imigração mais recente, se nota ao invés uma maior tendência à conservação das tradições, da língua e dos costumes próprios dos diversos subgrupos. Sua orígem desde países essencialmente agrícolas e ainda industrialmente atrasados (leste europeu) favoreceu certamente a conservação de modos de vida mais consoantes à sua orígem.
Não é possível, também em razão da variedade constituida pela presença conjunta de vários grupos, fornecer uma explicação detalhada das diversas tradições. Todavia alguns aspectos principais, ligados aos momentos mais importantes da existência, merecem ser descritos, ao menos em linhas gerais.
Lembramos que antigamente era muito respeitado o período da gravidez e o tempo sucessivo ao nascimento do herdeiro; havia o conceito da impureza coligada ao nascimento, com várias proibições para a parturiente. Hoje a situação não é mais tão rígida; o aleitamento dura muito tempo, às vezes se prolongando por alguns anos.
No casamento tende-se a escolher o cônjuge dentro do próprio grupo ou subgrupo, com notáveis vantagens economicas. É possível a um Cigano casar-se com uma gadjí, isto é, uma mulher não cigana, a qual deverá porém submeter-se às regras e às tradições ciganas. Vige naturalmente o dote, especialmente para os Rom; no grupo dos Sintos se tende a realizar o casamento através da fuga e consequente regularização. Aos filhos é dada uma grande liberdade, mesmo porque logo deverão contribuir com o sustento da família e com o cuidado dos menores.
No que se refere à morte e aos ritos a ela conexos, o luto pelo desaparecimento de um companheiro dura em geral muito tempo.
Junto aos Sintos parece prevalecer o costume de queimar-se a kampína (o trailer) e os objetos pertencentes ao defunto. Entre os ritos fúnebres praticados pelos Rom está a pomána, banquete fúnebre no qual se celebra o aniversário da morte de uma pessoa. A abundância do alimento e das bebidas exprimem o desejo de paz e felicidade para o defunto.
A religião.
Os Ciganos não tem uma religião própria, não reconhecem um deus próprio, nem sacerdotes, nem cultos originais. Parece singular o fato de que um povo não tenha cultivado no decorrer dos séculos crenças particulares em mérito à divindade, nem mesmo formas primitivas de tipo antropomórfico ou totêmico. O mundo do sobrenatural é constituido pela presença de uma força benéfica, Del ou Devél, e de uma força maléfica, Beng, contrapostas entre si numa espécie de zoroatrismo, provável resíduo de influências que esta crença teve sobre grupos que em época remota atravessaram a Pérsia.
Existem pois, nas crenças ciganas, uma série indefinida de entidades, presenças que se manifestam sobretudo à noite.
Quanto à religião, em geral os Ciganos parecem ter-se adaptado no decorrer da história às confissões vigentes nos países que os hospedaram, mas sua adesão parece ser exterior e superficial, com maior atenção aos aspectos coreográficos das cerimônias, como procissões, peregrinações, próprias de uma religiosidade popular ainda largamente cultivada no âmbito católico.
Um sinal de mudança se dá pela difusão do movimento pentecostal, ocorrida a partir dos anos 50, através da Missão Evangélica Cigana, surgida na França.
Em seguida a isso, registram-se todavia profundas lacerações no interior de muitas famílias, devido às radicais mudanças de costume que tal adesão impõe e que encontram explicação na natureza fundamentalista do movimento religioso em questão.
Tais imposições muitas vezes acabam por induzir os Ciganos a uma recusa de suas peculiaridades culturais, ainda que dependa muito da capacidade de crítica e de discernimento de cada indivíduo.
Terceira parte: as perspectivas com relação às mudanças da cultura romaní.
A cultura dos Ciganos, representada por um conjunto de tradições e crenças, está em fase de constante mudança e, em alguns casos, está se desagregando de maneira irreversível perante a hegemonia da cultura da sociedade sedentária.
Existem, todavia, algumas mudanças que permitem prever um caminho em direção a uma tomada de consciência difundida entre Rom, Sintos e Gitanos.
No plano social e político, no decorrer dos últimos anos, foi-se delineando um amadurecimento, que resultou no surgimento de formas associativas e de movimentos de âmbito internacional.
Remonta à metade dos anos 60 a fundação da União Internacional Romaní, seguida pelo surgimento de numerosas Organizações Ciganas, que apareceram no decorrer dos últimos 30 anos defendendo a causa da minoria cigana e tutelando sua cultura. Algumas delas contam com a participação conjunta de Ciganos e gadjê, outras são geridas exclusivamente por membros das diversas comunidades ciganas.
Encontramo-nos, portanto, diante de uma realidade complexa e às vezes difícil de decifrar.
Em meio a situações de desagregação social e à perda de identidade, surgem sinais contrapostos de esperança e de renovação que testemunham uma rebelião contra um destino amargo.
Todos nós somos chamados a defender o direito à diferença; uma diferença que, no caso dos Ciganos, pode talvez conter aspectos que para muitos são difíceis de entender e de compartilhar. É preciso ter consciência de que tais formas de "desvio social" não são peculiares à cultura romaní, mas frequentemente, são consequência da secular rejeição oposta a eles pelas sociedades circunstantes.
Os Ciganos constituem talvez o último desafio a um modelo de vida voltada à especulação e ao cimento: o futuro deles depende, em última instância, de cada um de nós. Eles continuarão a existir na medida que a sociedade dos gadjê (não ciganos) não ficar indiferente às suas ansiedades, a seus problemas e às suas aspirações.
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A poesia dos Ciganos
A literatura cigana "escrita" é formada em primeiro lugar pela transposição por escrito da tradição oral.
Em seu interior se acha uma ampla produção poética, expressão de sentimentos que nascem das experiências da vida cotidiana ou do desejo de uma redescoberta dos valores tradicionais fundamentais.
O processo de emancipação no plano social e político iniciado nas últimas décadas colocou as bases para a formação de uma elite intelectual cigana. A redescoberta de valores importantes, entre os quais o uso da língua materna, tem, entre outras coisas, induzido alguns Rom e Sintos, entre os mais sensíveis, a um salto de qualidade na tradicional narrativa cigana, favorecendo uma passagem da forma oral à forma escrita.
Um exemplo da sensibilidade que transborda do ânimo dos Rom e dos Sintos nos é dada por estas poesias, compostas por vários autores, pertencentes a grupos diferentes.
Nascimento no acampamento
Nascí entre as velhas tendas,
em meio ao falar dos Ciganos
que narram à luz da lua
a fábula de uma branca cidade distante.
Nascí na miséria, entre os campos
ao longo do Beli Vit, sob plangentes salgueiros,
onde a angústia aperta os corações
e a fome pesa no saco de farinha.
Nascí num dia triste de outono
ao longo da estrada envolta em neblina,
onde a necessidade chora junto aos pequeninos
e a dor destila quente entre os cílios.
Nascí, e minha mãe morria.
O velho pai me lavou no rio:
por isso é forte hoje o meu corpo
e o sangue me escorre dentro impetuoso.
Rac saví ni bistarav
Sováv ánde mi kampína
ashunáv avrí, varéko galamí,
ushtilém sa chidén pe te ladén,
den ma muj po anáv
e pachardé tradén.
Dikháv me chavrrén
sar guglé sovén
e naj tsiknorré vazdáv
achilá lésko thán chingó,
morá te ladá? so te kerá?
ináj prvo drom, ni merá.
Ali gejá tsiknorró
ni asvín ni muklá
iziló ánde mi angáli
e vah phutardá
tála péste darátar o than mutardá.
An dji pharipé pelá mánge
e rroméski bax, akushlém prvo drom
kaj sem bijandó bibaxtaló
the kaj sem bijandó sar Rrom.
Uma trágica noite
Dormia no meu carroção
quando ouvi alguém gritar,
levantei-me pronto para fugir
mas me chamaram por nome,
eram os policiais.
Via os meus meninos
a dormir docemente
peguei nos braços o menor
deixando sua caminha molhada,
precisava escapar? que fazer?
não era a primeira vez,
aquele pequenino não chorou
deitou-se entre meus braços
abriu as mãos
mas por medo
fez xixi na terra.
No coração senti então forte o peso
do destino dos Ciganos,
pela primeira vez blasfemei
por ter nascido azarado
e por ter nascido Cigano.
Ánde mol hi o chachipé
Ánde mol hi o chachipé
i sa me tehariná
sa mi túga the mi bax,
me asvá, mo barvalipé,
mi ljubáv, mo sastipé.
Man víshe níko ináj po thém,
ináj ma amalá,
josh sámo achilá mi tsáhra,
me ichardé chemáne,
me teharináke bahvaljá.
Bistardém kaná trézno semá
mo razúm e mol lijá.
Kaná meráva, mató ka aváv.
Pála nikaté ináj shukár,
mánge hi shukár i gadijá.
In vino veritas
No vinho está a verdade
e todas as minhas manhãs
toda a minha tristeza e a minha sorte
as minhas lágrimas, a minha riqueza,
os meus amores, a minha saúde.
Não tenho mais ninguém no mundo,
não tenho amigos,
me restou só a tenda,
os meus violinos quebrados,
os meus ventos matutinos.
Esqueci o tempo
em que estava sóbrio
a minha razão a levou o vinho.
Quando morrer
também estarei embriagado.
Para os outros não fica bem,
mas para mim está bem assim.
Liberdade
Nós Ciganos só temos uma religião: a liberdade.
Em troca dela renunciamos à riqueza, ao poder, à ciência e à sua glória.
Vivemos cada dia como se fosse o último.
Quando se morre, se deixa tudo: um miserável carroção ou um grande império.
E nós cremos que naquele momento é muito melhor termos sido Ciganos do que reis.
Não pensamos na morte. Não a tememos, eis tudo.
O nosso segrêdo está em gozar a cada dia as pequenas coisas
que a vida nos oferece e que os outros homens não sabem apreciar:
uma manhã de sol, um banho na nascente,
o olhar de alguém que nos ama.
É difícil entender estas coisas, eu sei. Ciganos se nasce.
Gostamos de caminhar sob as estrelas.
Contam-se coisas estranhas sobre os Ciganos.
Dizem que leem o futuro nas estrelas
e que possuem o filtro do amor.
As pessoas não creem nas coisas que não sabem explicar.
Nós, ao contrário, não procuramos explicar as coisas nas quais cremos.
A nossa é uma vida simples, primitiva.
Basta-nos ter o céu por telhado,
um fogo para nos aquecer
e as nossas canções, quando estamos tristes.
Hom jek Sínto
Hom jek Sínto
giváva stíldo
dre i láida
mánge kók'ro.
Pijáva i líxta
fon u kam.
An u súni
kedáva u róze
an sáki gárta.
K'ráva túke króna
mit u céle stérni
fon u bolabén,
mit u céle stérni
fon u hímlo.
Dúnkel gibén
kána kók'ro hal
mit i túga
dren i tséla.
Rovéla mur gi
u frái gibén,
rovéna mar jáka.
Mit u tréni
dióm pre p'u flígi
fon jek schválba:
Den man mur frái gibén.
Mekén te meráp
tel jek tíkni tána,
har jek Sínto.
Sou um Sinto
vivo na prisão
só
na minha dor.
Bebo a luz
do sol.
Nos meus sonhos
colho as flores
de todos os jardins.
Trançarei para você uma coroa
com todas as estrelas
do céu,
com todas as estrelas
do universo.
Vida obscura
quando você está sózinho
com a tristeza
na miséria.
Chora o meu coração
a vida livre,
choram os meus olhos.
Com as lágrimas
escreví nas asas
de uma andorinha:
entregue-me a minha vida livre.
Que eu possa morrer
sob um pequeno pinheiro,
como um Sinto.
U star nágli
Penéla u parmísso:
Star nágli hísle peráit
Fir ti kerén ti merél i Retáres.
Jek vintákri ciáj dikjás,
Forpái ap i hígla,
Har giálesli ap u drom fon u vélto.
Jek kórkoro ciordásli,
U kurmáskro na haiciardáspes.
Unt Jov viás kiáke nágaldo.
Mit trin nágli ap u kráizo.
U stárto náglo ciás i sinténgro gi
mit i láida fon u Retári.
Penéla u parmísso.
Os quatro pregos
Diz a lenda:
Quatro pregos eram forjados
para fazer morrer o Redentor.
Viu-os uma filha do vento
que atravessava a colina
no seu caminhar pelas estradas do mundo.
Um apenas subtraiu,
que o soldado não percebeu.
E Ele assim foi crucificado,
com tres pregos somente.
O quarto prego comungou a dor
dos Sintos ao Redentor.
Diz a lenda.
Kamáva tu
cib marí.
Tu sal bravalí ta cororí
sar jamén.
Kántu sam bibaxtalé
ménge tu déssa le láu par te rovás,
kántu sam kontán
ménge tu déssa le láu par te sas,
kántu si-amén bróxa te garavássa men
tu, cib marí, déssa ménge ne vast.
But pirdál ménca
pren sa le dromá do vélto,
sálas i jag da maré giljá,
ma kaná
andrén kalá džungalé pláse
kaj cidéna men le gadžé
tu meréssa ne písla óni divés,
sar jamén.
Se našavássa tu
nínge jamén sam našadé.
Šunén cavalé,
šun ternibén,
maré puré Sínti
mukjén-le ménge
kajá šukár, gulí cib.
Na bistarás la,
sikavás la kaj maré cavé,
indžarás la sémpar ménca
sar o kórkoro braválimo
ke si-amén.
Amo você,
nossa língua.
Você é rica e pobre
como nós.
Quando estamos tristes
você nos dá as palavras para chorar,
quando estamos contentes
você nos dá as palavras para nos alegrar
quando temos que nos esconder
você, nossa língua, nos ajuda.
Você viajou junto a nós
ao longo das estradas do mundo,
era o fogo das nossas canções,
e agora
nestes terrenos insalubres
que os gagês nos reservam
você morre um pouco a cada dia,
como nós.
Se te perdermos
nós também estaremos perdidos.
Escutem, rapazes,
escute, juventude,
os nossos velhos Sintos
nos deixaram
esta bela e doce língua.
Não a esqueçamos,
ensinemos aos nossos filhos,
conservemos sempre conosco
como o único tesouro
que nos pertence.
A bandeira e o hino dos Rom
UPRÉ ROMÁ LEVANTEM-SE ROM
Djelém djelém lungóne droméntsa,
Maladilém baxtalé Rroméntsa.
Ah, Rromalé, katár tumén avén,
E tsahréntsa, baxtalé droméntsa.
Ah, Rromalé,
Ah, Chavalé.
Vi man sasí ekh barí famílija,
Mudardá la e Kalí Legíja;
Avén mántsa sa e lumnjátse Rromá
Kaj phutajlé e rromané droméntsa.
Áke vrjáma, ushtí Rromá akaná,
Amén xudása mishtó kaj kerása.
Ah, Rromalé,
Ah, Chavalé.
Viajei ao longo de muitas estradas,
E encontrei Ciganos felizes.
Digam-me de onde vem
Com suas tendas
Nestas estradas do destino?
Oh, Rom,
Oh, jóvens Rom.
Eu também tinha uma grande família,
Mas a Legião Negra a exterminou;
Venham comigo, Rom do mundo inteiro,
Percorreremos novas estradas.
É hora, levantemo-nos,
É chegado o momento de agir.
Oh, Rom,
Oh, jóvens Rom.
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