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A CASA DO APRENDIZ

"MARABÔ" Centro de Cultura, Documentação, Pesquisa e Estudos das Ciências Esotéricas.

"MARABÔ" Centro de Cultura, Documentação, Pesquisa e Estudos das Ciências Esotéricas, mantém encontros periódicos para o treinamento, exercícios, troca de experiências, comemoração dos Sabbáths e Esbbáths, além de trabalhar juntos em outros rituais. A disciplina é essencial na formação de uma consciência mágica comum ao grupo e de uma Egrégora (que é, para simplificar, a força mágica do grupo e sua repercussão no Astral). "MARABÔ" Centro de Cultura, Documentação, Pesquisa e Estudos das Ciências Esotéricas tem seu próprio símbolo e nome, suas regras, suas características, seu método de estudo e "carisma mágico próprio". "MARABÔ" Centro de Cultura, Documentação, Pesquisa e Estudos das Ciências Esotéricas pode e deve trocar influências, porém sempre respeitando a individualidade de cada membro. Mais que tudo,"MARABÔ" Centro de Cultura, Documentação, Pesquisa e Estudos das Ciências Esotéricas é um organismo vivo, pulsante, que responde segundo seus membros. Se alguém está doente, mal-intencionado, desequilibrado, angustiado, isso tudo se reflete no desempenho do grupo, nos resultados dos rituais. Por outro lado se há alguém extremamente bem, feliz, disposto, energizado, isso também é dividido com os membros que sentem a energia desta Comunhão com "O ABSOLUTO". "MARABÔ" é o Local para o Culto a Sabedoria, ao Conhecimento, das Diversas Culturas Étnicas e Correntes Filosóficas, a Teosofia, a kaabalah, entre outras, Ciências Esotércas. "MARABÔ" dá início à caminhada espiritual. Indica sempre que algo novo está a começar. Tem uma mesa à sua frente, onde se podem ver quatro objetos simbólicos: uma taça, um punhal, um pergaminho e uma moeda, que pode ter a imagem do pentagrama. Parece que precisa de ajuda superior para tomar uma decisão e por isso ergue um pequeno bastão para o alto, captando energia e dirigindo-a para baixo, com a outra mão. É como se ele fosse o elo entre as energias divinas e o mundo material, mas precisa de ajuda porque ainda é um aprendiz. O punhal é o simbolo da luta, da energia sexual, do poder e da vitória. A moeda é o simbolo do mundo material, dos bens e do dinheiro. O pergaminho é a inteligência, o estudo, a espiritualidade. A taça, por sua vez, simboliza as emoções, o amor, o coração, a sensibilidade. O bastão é o simbolo da vontade e da sabedoria. Na caminhada espiritual, o "MARABÔ" representa o ponto de partida e a necessidade de fazer uma canalização de vibrações superiores para poder realizar uma evolução. "MARABÔ" representa o poder da mente em direcionar um projeto com maestria, concentrando esforços e inteligência para um determinado fim. Representa também a concentração sem esforço, pois trabalha e cria com naturalidade e espontaneidade. Pode representar ainda como uma necessidade de tomar uma iniciativa imediatamente, de ousar mais. Realização, perseverança, conquista. "MARABÔ" gosta de planejar, colocar em prática seus mais audaciosas planos, depois os controla e comanda pessoas para as suas conquistas materiais. Com "MARABÔ", temos a certeza de possuir condições para concretizarmos tudo o que queremos, pois temos as condições materiais, estruturais e financeira para a concretização. Além do mais, este período será de segurança e estabilidade com isso nos proporcionando uma satisfação interior muito grande. "MARABÔ" é o Avanço, progresso, início de algo novo. "MARABÔ" simboliza a vitória, direção, controle, esforço, confiança, o caminho. Com o "MARABÔ" há progresso, há projetos em andamento. Simboliza a ação, que se toma a seguir a uma decisão. Aquilo que foi resolvido está a ser executado, é a realização de projetos. A pessoa deve ter força e liderança suficientes para evitar que um anule o outro. Deve ter controle firme para manter o equilíbrio. Na caminhada espiritual,o"MARABÔ" representa o momento em que o viajante passou pela encruzilhada, tomou um rumo firme e está determinado a cumprir mais etapas evolutivas. Olha para o horizonte, sem qualquer expressão. Não há sensualidade, nem agressividade. Parece calma, equilibrado, limpa, ordenada. "MARABÔ" é o equilíbrio, processos judiciais (julgamento), leis, limites. Ele traz o equilíbrio, a isenção, a análise do passado. "MARABÔ" cumpre um papel, representa uma instituição. Também simboliza a colheita - "Cada um colhe aquilo que plantou". "MARABÔ" simboliza o plano material e o plano emocional, ou seja, os dois devem estar equilibrados, Ele representa a punição que pode distribuir a quem a merece. Na caminhada espiritual, "MARABÔ" representa um momento de equilíbrio, no qual se recebem as recompensas (ou punições) materiais e emocionais pelo caminho já percorrido. É inevitável, o Refletir sempre antes de tomar decisões, pois devem ser justas. Muitas vezes ele também simboliza o isolamento, restrição, afastamento. Algumas vezes "MARABÔ" isola-se para descobrir o conhecimento que o rodeia, na natureza, por exemplo, e também para se autoconhecer. O aspecto fundamental é que necessita de cortar os laços (temporariamente ou não) com a sociedade que o rodeia. "MARABÔ" é Fiel a si mesmo e sabedoria, representa o conhecimento da ciência oculta. Ele sé a prudência, que o acompanha em sua busca de orientar melhor, mostrando a luz da inteligência e da sabedoria, (a luz da verdade). Significa também que a luz atinge o passado, o presente e o futuro. E Nele existe austeridade. Ele segue sua viagem através do tempo com a sabedoria. "MARABÔ" se refere à acumulação de conhecimentos e está disposto a ouvir e ajudar os que o procuram. Representa o valor do conhecimento adquirido à custa de trabalho ininterrupto, que apenas mentes privilegiadas conseguem desenvolver."MARABÔ" está relacionado ao elemento terra, portanto à vida material, às conquistas financeiras, profissionais e a tudo que, enfim, representa aquilo que pode ser tangível em termos materiais, para ele a possibilidade de se conseguir conquistar a segurança material com trabalho, disciplina e esforço. O ser humano é ambicioso e a ambição tem relação como o naipe de ouros. "MARABÔ" é representa a dedicação, o esforço, o empenho dedicados aos estudos e ao trabalho; ligado ao elemento ar e está relacionado ao poder ambivalente da mente e do pensamento; ligado ao elemento água e ao mundo dos sentimentos, sendo o símbolo da taça relacionado ao coração, como receptáculo das nossas emoções. Ele corresponde ao elemento fogo que a tudo transforma sem ser alterado. Está ligado ao fazer e à criatividade.

DANÇA DO VENTRE

http://www.youtube.com/watch?v=Ny8cnoruN7Y

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Dirty Dancing Promo Video

Dirty Dancing - She's Like the Wind

Dirty Dancing - Time of my Life (Final Dance) - High Quality

Al Pacino - Scent of a Woman

TANGO-PASION

The Watershed

Stranded in Canton

Slacker

Electric Purgatory

O grito 1-parte 1 dublado em portugues

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O grito 1-parte 7 dublado em portugues

O grito 1-parte 8 dublado em portugues

O grito 1-parte 9(Final) dublado em portugues

Lição da Águia

SEJA COMO A AGUIA

Categorias peirceanas e o mundo sígnico dos deuses iorubás

Categorias peirceanas e o mundo sígnico dos deuses iorubás:por uma semiose dos orixásAlexandre de Oliveira Fernandes*Resumo: Apresenta as categorias semióticas de Charles Sanders Peirce, ícone, índice esímbolo, como ferramenta de análise dos signos presentes nos mitos dos deuses iorubás.O presente trabalho pretende aproximar academia e terreiro, estudando a ação dossignos, a semiose no culto aos orixás, com vistas a responder como a mitologia dosorixás e os ritos do candomblé se unem para formar o ethos deste grupo religioso?Como os símbolos veiculados expressam determinados “comandos”? Como “sentem”os adeptos do mundo dos orixás o que “sentem”?Palavras-chave: Semiótica; Mitologia iorubá; Orixá1. Da academia para o culto aos orixás: notas para uma aproximação
Algumas áreas do conhecimento já se “apropriaram” doinstrumental da semiótica para responder às suasquestões.
Assim, há pesquisas que unem a Semiótica àEngenharia de Produção, à Interface Gráfica, àEducação e à Literatura (SILVESTRE: 2003;HOELZEL: 2004; BARON: 2003; ARALDI: 2004,SIMÕES: 1999).
Contudo, apesar de passados mais decem anos da formulação das idéias de Charles Sanders Peirce (1972), a Semiótica ainda é uma ciênciasignificativamente pouco estudada nos meiosacadêmicos, refém de um hermético círculo de filósofos espalhados pelo mundo (QUEIROZ, 2004).
Quando aproximamos esta discussão dos estudos sobre religiões de matrizes africanas é inegável que também há um longo caminho a trilhar.
Coletamos em Munanga (2002)apenas uma pesquisa que relaciona Semiótica e orixás. Trata-se de Dissertação demestrado apresentada à Universidade de São Paulo em 1999 por André Bueno,intitulada Bumba Meu Boi maranhense em São Paulo: dimensões semióticas.
Neste contexto, defendemos estudos que aproximem a Semiótica e o mundo dos orixás,propondo uma leitura dos mitos dos orixás e dos ritos do candomblé, tomando a Teoria Geral do Signo como “uma ciência hipotético-dedutiva", que nos permite apontar rigorosamente, “embora de modo eminentemente falível”, como se expressam os signos presentes nesta semiose (PAVAN, 2001, p.12).* Professor de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de Educação Tecnológica da Bahia -IFBA/Eunápolis. Mestrando em Letras: Linguagens e Representações pela Universidade Estadual deSanta Cruz / UESC.Charles Sanders Peirce(1839-1914). Signo, semiótica e semiose no culto aos orixás.
A noção de signo em Peirce é tão ampla que “qualquer ato passado ou qualquerqualidade de sentimento podem assumir o papel de signo, independentes de um sujeitopsicológico ou de um organismo biológico que os abrigue ou interprete” (PIRES, 2002,p.36).
Isto nos permite inferir que o universo está repleto de signos e isso não dependede que os percebamos, de que com eles tenhamos qualquer contato: eles simplesmenteexistem além do sujeito.
Para estudar os signos, Peirce nos legou a Semiótica, ciência das “condições gerais” dos signos, uma abordagem lógico-filosófica da linguagem que tem o signo como unidade mínima de representação.Como referência para se pensar os níveis de percepção do mundo, a Semiótica propõeas categorias – primeiridade, secundidade e terceiridade – de onde decorrem os tipos designos – ícones, índices e símbolos. Em termos peirceanos: A semiótica ocupa-se da semiose, que é uma ação ou influência que é ou co-envolveuma cooperação de três sujeitos, como por exemplo um signo, seu objeto e seuinterpretante, não podendo tal influência tri-relativa, em caso algum, resolver-se numainfluência entre pares” (CP 5.4841).Neste sentido, os processos de semiose desvelam o modo pelo qual o homem interpretao mundo, uma vez que o ato de interpretar está ligado a como o sujeito apreende umobjeto, seja ele concreto ou abstrato. A semiose é capaz de indicar como experiênciassão vivenciadas, haja vista que o indivíduo está exposto à interação com um mundo desensações – temperatura, sons, cheiros, texturas, formas, cores. Tudo nos “entra” pelossentidos como a visão, o olfato, o paladar, a audição, o tato, os quais recebem estímulosque, posteriormente serão transformados, através do raciocínio, em representações, quepor sua vez, formam no intérprete uma idealização mental dos objetos. Isto não sedistancia do que ocorre no culto aos orixás, nos terreiros de candomblé.Quando o adepto do candomblé representa um objeto por meio de um pensamento demodo tão forte que essa construção toma o “lugar” do objeto em si, um fenômenoocorre: a semiose.3. Categorias semióticas para o estudo dos deuses iorubás: por uma semiose dosorixásAo romper com a dicotomia significante/significado proposta por Ferdinand deSaussure, Peirce propõe tríades que formam a semiose: (i) da relação do signo consigo mesmo, ou seja, do representamen, depreende-se a primeira tríade, na qual, o signo pode ser mera qualidade – qualissigno –, um existente concreto – sinsigno -, ou uma leigeral – legissigno; (ii) da relação do signo (representamen) com seu objeto,encontramos a segunda tríade, ícone, índice ou símbolo; (iii) da relação dorepresentamen com seu interpretante, a Semiótica apresenta sua terceira categorização:o rema, o dicente e o argumento.Neste artigo, por questões de espaço, trabalharemos com a segunda tríade, ícone, índiceou símbolo.1 Ao referenciarmos o texto de Peirce, Collected Papers of Charles Sanders Peirce, utilizaremos aconvenção, segundo a qual, o primeiro algarismo da esquerda indica o volume e os demais o parágrafo. O ícone é o signo que desponta em nós a capacidade de percebermos semelhanças,como ocorre em diagramas, imagens, metáforas. São ícones, os signos que indicam umaqualidade ou propriedade de um objeto ser possuidor de determinados traços de seuobjeto, os quadros, desenhos, estruturas, figuras lógicas. Como exemplos, os textos dosrituais com suas rezas e provérbios, altamente metafóricos; a expressão “Exu é ummultiplicado ao infinito” (SANTOS, 1986, p.133); Exu enquanto imagem, expressão,metáfora do poder dos orixás. Uma imagem qualquer, fotográfica ou mental, como a deOxum se banhando lentamente nas águas doces, que se reproduz em uma mente cadavez que ouve cantigas ao ritmo do Ijexá; o desenho de Oxalá com seu cetro em umaparede de uma casa de axé; só se tornam possíveis porque, enquanto seres humanos,estamos munidos de uma capacidade designada icônica. É ícone, o ogó que Exu sempretraz consigo, pois, assemelha-se a um falo. Por outro lado, é índice da alta magia da qualExu é o dono (VERGER, 2002, p.76). É a estrutura icônica que transpõe o texto àconsciência do leitor/adepto do candomblé. O iconismo, capacidade de reproduzirimagens em nossa mente é um elemento da primeiridade, que segundo Peirce, assim setraduz:(i) Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e semreferência a qualquer outra coisa (CP 8.328); (ii) perfeitamente simples e sem partes(CP 1.531); (iii) as típicas idéias de Primeiridade são qualidades de feeling ou meraaparência (CP 8.329).Ao índice pertencem as relações de contigüidade, causal, real, direta, de encadeamentoentre o representamen e o objeto. Como exemplos, a aláfia, queda aberta do jogo de obi,fruto de árvore do mesmo nome, utilizado para consultas rápidas que surgem deperguntas cujas respostas são contempladas com um sim ou um não. Como exemplo,utiliza-se o jogo de obi para perguntar ao orixá se aceitou a oferenda que lhe foidestinada (PRANDI, 1996:93); uma chuva rápida logo após uma oferenda para osorixás das águas – Oxum, Iemanjá, Obá –, indicando sua presença e receptividade; umapessoa com barriga d´água, associada à ira de Oxum (SÀLÁMÌ, 1991, p.13); os nomesdas energias – com seus epítetos, que lhes conferem suas “qualidades” –, não sãotermos abstratos, escolhidos ao acaso e sim palavras carregadas de significado, sãoíndice da força do Orixá. Vale conferir alguns nomes de Exu: Elegbara, Senhor TodoPoderoso; Alaketu, Senhor da Cidade de Ketu; Elérú, Senhor do Carrego Ritual; Ojisé,Aquele que Tem Livre Trânsito; Enugbarijó, O Boca Coletiva; Oná, O Senhor do Fogo;Agbá, O Representante de Todos. O mesmo fator indicial ocorre com o oriki – palavracomposta por ori + ki, a qual significa saudar ou louvar (ki) o ori ou a origem donomeado (Ribeiro, 1996:102) –, nome que permite às pessoas do santo ser identificadas.Esses nomes indicam “feitos e características do indivíduo, da família, da cidade ou doorixá a quem se refere, exercendo função documental”. Ribeiro (1996 p.130) destaca onome Jakuta, “aquele que briga com pedras”, para se referir a Xangô; Olokun –Ol´=senhor / okun = mar –, Senhor do mar, dentre outros, como títulos que indicam asqualidades da energia. No culto aos orixás, quando se é iniciado, o corpo recebe cortesque são chamados de “curas”; temos aí, um índice, sinal indicativo de iniciação. Omesmo ocorre entre os iorubás que marcam seus rostos com cortes que apontam suaposição social. É índice o modo de se vestir: quando uma ialoríxá está usando seusdiversos colares, e dentre eles podemos ver o laguidibá, colar de âmbar, que marca suaposição na hierarquia; de mesmo modo, seu torso também será sinal de poder seapresentar duas abas o mais “majestosamente” levantadas, firmes. Os números pares noculto aos orixás, são índices de equilíbrio, harmonia, felicidade, pureza, por isso, são duas as vezes que “os búzios são lançados para encontrar o odù, ou o signo, que (...)governará a vida do iniciado (VERGER, 2002, p.41); em contraste com os númerosímpares que indicam desequilíbrio, passagem, desordem impureza, perigo (SERRA,2006, p.296). Em especial, o número três indica a presença de Exu, e por meio deleritual e mito se encontram: são três “as saídas sucessivas da camarinha”; são três asvezes que a zeladora leva um ebó ao chão antes de depositá-lo; são três as porções deágua que se joga sobre a terra para umedecê-la e louvar os orixás; bem como são três asvezes em que determinadas folhas são mostradas ao carneiro quando se prepara dadoebó; são três as voltas que os filhos de santo dão na praça, com sua zeladora, após ainiciação; são três as vezes em que o iniciando senta e levanta do pilão antes daraspagem (VERGER, 2002, p.39-46) – o três aí indicada a necessidade primeva delouvar Exu e todas as energias do culto. Já o número sete é índice dos orixás masculinose o número nove, dos orixás femininos. São índices os textos sagrados – o oríkì(saudação), àdúrà (reza), orin (cantiga) – “cuja força e profundo significado revelamfeitos e características dos orixás” (SÀLÁMÌ, 1991, p.13). Outros índices, que saltamem qualquer cerimônia pública são as ações do orixá encarnado em seu filho. Ele indicaa “idade de santo”, o tempo de iniciação quando o orixá brada seu ilá e posiciona paratrás suas mãos, indicando que o iniciado tem sete anos ou mais nos cultos, ou quandopermanece com as mãos na “quartinha”, posicionamento em que as mãos do orixá ficamuma sobre a outra, na altura da cintura, ao lado esquerdo do corpo, e não solta seu ilá.De mesmo modo, “o acesso a determinados ritos está em relação direta com o grau deiniciação” (SANTOS, 1986, p.21). É índice, nos terreiros no Brasil ou na África(LÜHNING, 1999, p.127), o uso que se faz do mariwo, folha de palmeira, símbolo deOgum (VERGER, 2002, p.87), colocada sobre os batentes das portas, sobre aspassagens, “desfiadas formam uma barricada que protege o lugar contra as másinfluências, ao mesmo tempo em que proíbem a passagem dos profanos para dentro dotemplo.” Com o símbolo, temos a secundidade, que em termos peirceanos, assim se nosapresenta:(i) Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é, com respeito a um segundo,mas sem observar qualquer terceiro (CP 8.328); (ii) o tipo de idéia de Secundidade é aidéia de esforço, prescindido da idéia de um propósito (CP 8.330).O símbolo nasce da relação arbitrária entre o signo e o objeto. É independente desemelhança e das relações causais, pauta-se pelas convenções criadas: palavras, regras,leis, significados em geral. O símbolo se relaciona com seu objeto por força de umaidéia na mente do usuário; não está ligado “àquilo que significa através de algumasimilaridade (caso do ícone), nem por conexão causal, fatual, física, concreta (caso doíndice)”. A relação entre o símbolo e seu objeto se dá por meio de um hábito ou lei, quedá ao símbolo condições de representar algo diferente dele (SANTAELLA, 2001, p.63).O oxé, machado duplo de Xangô, enquanto símbolo de força e de alta magia; os búziose as diversas conchas utilizadas nos rituais como símbolo de riqueza; o dendê símbolodo “sangue vegetal vermelho”; a água como símbolo de fertilidade; o chifre de búfaloque adorna o assentamento de Iansã como símbolo de força deste orixá; as máscaras quenos apresentam as ancestrais femininas, as grandes “mães feiticeiras” (VERGER, 1992);o assentamento de Exu com seus tridentes; não tem qualquer relação causal com aquiloa que se referem, mas são aceitos como símbolo pelo grupo no egbé.O mesmo ocorre com o pilão, símbolo do poder de Xangô; o bàtá, tambor tocado comduas varinhas no culto aos orixás e consagrado a Xangô; a cabaça como símbolo do destino, controlado por Ifá; o màriwò, folha da palmeira, símbolo de Ogum; o ofá, arcoe flecha, símbolos de Oxossi.Juana Elbein dos Santos (1986, p.17) adverte, porém, quanto à interpretação simplistados símbolos, uma vez que “o significado de um elemento está em função de suasrelações com outros elementos. O significado de um elemento é uma função e não umaqualidade.”Analisando a simbologia presente nos mitos que se referem às lutas entre Ogum e Oyá,temos a reiteração da força, às vezes brutal, manifestada para defender os interessesdestas energias, numa visão bastante humanizante; em contrapartida, os mitos queenvolvem Oduduá e Obatalá, parecem sempre simbolizar um macrocosmotranscendental que deificam estes orixás “distanciando-os” dos interesses humanos(SERRA, 2006, p.298).Enquanto convenção, o aspecto simbólico dos rituais se faz presente de inúmerasmaneiras, desde os gestos na dança, os movimentos do corpo, o ritmo dos passos(BARBARA, 2002); até a comparação entre as formas de se cultuar divindades na África, no Brasil e em Cuba: há orixás que continuam sendo adorados na África, e omesmo pode não acontecer no Brasil; “na Bahia todos os orixás são chamados à terra,enquanto que na África são saudados por alguns ritmos de tambor, e por se tratar deuma cerimônia somente para Xangô, apenas o deus do raio será chamado” (LÜHNING,1999, p.112).O símbolo é, portanto, uma convenção, um constructo social e mutável que vai seinstalar nos rituais e nos mitos, no comportamento sagrado e, por meio de cerimôniascomo a recitação de um mito, a consulta aos orixás, a decoração do barracão para umafesta, uma limpeza de um filho-de-santo, serve para induzir e motivar “os símbolossagrados nos homens e as concepções gerais da ordem da existência” (GEERTZ, 1989,p.82). Estes símbolos, enquanto um conjunto de “sistemas entrelaçados de signosinterpretáveis” (GEERTZ, 1989, p.10), formam e são formados pela cultura de dadogrupo, e como tal, ficam expostos às múltiplas interpretações a depender dos contextos(SILVEIRA, 2004, p.27).A antropóloga, Juana Elbein dos Santos (1986, p.24) afirma que “o símbolo é umarealidade que transcende”. Os elementos que compõem os rituais – búzio, palha, conta,ritmo – transcendem o tempo e o espaço e se fazem símbolos porque “são selecionadose aceitos pelo consenso do grupo para representar uma necessidade, uma carência”, e aoser veiculado de geração em geração “se constitui em signo de comunicação, em umareferência que singulariza”. São os símbolos que “têm a capacidade de levar os iniciadosao cerne da cosmogonia do candomblé” (SALLES, FALCÃO: 2003).Destaco por exemplo a representação dos orixás em seus assentamentos. Serra chamaatenção para Ossain, o orixá das folhas. Seu símbolo sagrado é uma representaçãocosmográfica:geralmente consiste numa escultura (em ferro) que, em sua forma canônica, ortodoxa,compreende uma haste plantada no centro de uma barra redonda, cercada por outras, emnúmero de seis (ou oito), divergentes a partir do mesmo tronco pouco depois de suaimplantação; a haste central é encimada por um pássaro. A peça sugere uma planta, opássaro representa o poder, o axé, de que Ossâin é considerado em diversos mitos, ogrande portador e o grande distribuidor. (SERRA, 2006, p.301) Os símbolos a que Serra alude estão ligados ao alto poder do orixá Ossain. A haste com suas outras seis hastes são símbolos de veiculação de energia, de harmonia, de controle,mediação, e transmutação de axé. O pássaro, longe de ser uma ave em seu sentidoliteral, uma simples ave, está comprometido com “os pássaros”, de quem as “mãesfeiticeiras”, as àjé, se apropriam e se personificam. Estas feiticeiras representam “ospoderes místicos da mulher em seus aspectos mais perigosos e destrutivos”. (VERGER,1992, p.24; 2002, p.122); neste aspecto, podemos propor a ferramenta de Ossain comosímbolo de seu envolvimento com a alta magia. Verger (2002, p.123) dá conta de umalenda na qual o pássaro é a representação do poder de Ossain. Como seu mensageiro vaia todos os lugares e retorna para lhe contar o que está acontecendo. Neste sentido,enquanto espaço simbólico, os pássaros são representantes de alto poder mágico,veiculado pelas “mães feiticeiras” e por Ossain. Quanto ao fato de sua ferramentasugerir – assim Serra coloca – uma planta, não há dúvida, temos um índice.Enfim, poderíamos dizer que no culto aos orixás tudo é símbolo, desde que o lugar docontexto “dinâmico” seja verificado.Caso a se destacar é o das penas ekodidé, que “pertencem ao vermelho, representam opoder e o axé de Osun-Olori-Eleye” (SANTOS, 1986, p.89). Amarradas à cabeça dofilho de santo podem significar uma série de coisas. O que fazer então? Entendê-lascomo índice de poder, de axé, uma vez que não guarda qualquer semelhança com o axéem estado latente, poder espiritual, ou destacá-las como um símbolo, uma vez que sãouma convenção de um dado grupo?Santos (1986, p.89) aprofunda a questão ao propor que os ekodidé “não simbolizam overmelho genérico, mas – como os cauris, os búzios, para o branco – representamfragmentos do vermelho, seres individualizados, o elemento procriado.” Pretendoafirmar, então, que tanto os ekodidé, quanto os cauris são neste aspecto símbolos, já queno culto nada têm “um significado constantemente intrínseco, mas essencialmente comofazendo parte de uma trama e de um processo” (SANTOS, 1986, p.17).Para que não paire dúvidas, quero ratificar minha afirmativa do parágrafo anterior: “noculto aos orixás tudo é símbolo”; principalmente quando entendemos que os rituais etudo que ali está disposto –, inclusive os discursos –, são permeados pelo poder do axé;foram fundamentados no axé, por isso, o reiteram, ratificam, corroboram, reelaboram oaxé, num movimento cíclico, contínuo, de capacidade simbólica infinita. Essa também éa visão da antropóloga:Todos os objetos rituais contidos no “terreiro, dos que constituem os “assentos” até osque são utilizados de uma maneira qualquer no decorrer da atividade ritual, devem serconsagrados, isto é, ser portadores de axé. Os objetos têm uma finalidade e função.Expressam categorias, diferentes qualidades. Seus elementos são escolhidos de talforma que constituam um emblema, um símbolo. (SANTOS, 1986, p.37).A dijina, nome que será dado ao iniciado, por exemplo, tem de ser descoberto e não“inventado”, porque através dele, se veiculará axé, poder vital, toda vez que seu nomefor pronunciado, num mecanismo que saúda as energias que o protegem (RIBEIRO,1996, p.119).Verger (LÜHNING, 2002, p.48) retratando uma iniciação de Xangô conta que depois deencarnado, esse orixá “é conduzido ao interior da casa, onde se reveste dos hábitoslitúrgicos da divindade (...).” Ao que após, retorna, utilizando-se do oxé, “o duplomachado simbólico do deus, para benzer a multidão ajoelhada, os tambores que dizem sua glória”. Também encontramos em Verger o banho no rio como processo simbólicopara “se despir de sua antiga personalidade”. Uma outra passagem ilustra estacaracterística do culto: Verger relata o fato de Roger Bastide ter recebido na Bahia “umcolar de pérolas de vidro vermelhas e brancas alternadas, cores simbólicas de seu deus”,o que por ele era considerado um “passaporte” que facilitava sua ligação comcultuadores de orixás na África e o identificava como “filho de Xangô” (LÜHNING,2002, p.47).Os elementos simbólicos “criam” e se “envolvem” em uma metafísica transcendental,de modo que, o iniciado não se inclina diante da madeira, porcelana, barro, palha oupedras, mas diante do abstrato-sagrado, veiculando a essência mística que simbolizam.Neste sentido, o ogó e a cabaça de Exu – que citei acima como sendo ícones porqueguardam semelhança com o órgão sexual masculino –, tornam-se símbolos de altamagia: o ogó, espécie de cetro mágico, pode transportar Exu para os caminhos maislongínquos, e sua cabaça lhe confere ligação à ancestralidade feminina e masculina e acriação do mundo. Exu está ligado a estes símbolos por ser o portador mítico do sêmeme do útero ancestral (SANTOS, 1986, p.130). Aliás, não só Exu simboliza um poderfálico. Serra (2006, p. 297) dá conta de que Ogum, deus agressivo e criador, emdiversos mitos e rituais aparece ligado à questão da criação. Neste sentido, à Ogumtambém são conferidas características fálicas: seu facão e a vara de ferro com a qualmanipula magias estão sempre presentes, além de ser o número sete, o que mais estáassociado a este orixá, o “que tem grande importância cosmológica no sistema”.Os símbolos são estratégias para englobar situações e sua interpretação, “uma vezdescoberto seu nexo ontogenético, seu ou seus referentes, permite-nos tornar explícita arealidade fatual” (SANTOS, 1986, p. 23). Por isso, posso afirmar que os mitos sãosímbolos que transcendem o dito comum “lendas populares”, são mitos africanos queapreendem em seu contexto símbolos universalmente reconhecíveis com significaçãopsicológica e espiritual (FORD, 1999).4. Pensando em concluir: o “culto” semiósicoAssim, o jogo semiósico vai se estabelecendo entre o sujeito e o mundo, sujeito edeuses, deuses e mundo, por meio da mediação sígnica.É possível dizer que no candomblé, são os mitos que enquanto interpretantes – efeito interpretativo que o signo produz –, referendam os rituais.O mundo construído pelos ritos e seus mitos se dá, portanto, em termos semióticos,através da apreensão dos objetos por meio das categorias que participam da semiose.Em outras palavras, o sentido não é uma criação de um eu transcendental, mas uma construção, resultado do encontro e da relação de um signo com outro signo, o que se dácontinuamente, infinitamente, mesmo sem que nos apercebamos disso.No tocante ao culto aos orixás, o homem – também sendo ele um signo – está diante deestruturas que se expressam por símbolos – “toda a religião, sua morfologia, sua prática,todos os seus conteúdos (...)”. Por isso, “desvendar as correspondências dos símbolos e os interpretar nos permite explicitar os conteúdos do acontecer ritual” (SANTOS, 1986,p.25). O homem, sem dúvida, cria os signos que compõem os mitos e os rituais comseus símbolos significantes, mas também é controlado e criado por eles, numa contínua retro alimentação da semiose.Os conceitos semióticos, com suas categorias, apresentam como interpretamos, como pensamos as coisas, de que modo os fenômenos são apreendidos pelos sujeitos. Oconhecer, o apreender, o representar o mundo – dos rituais –, ocorre, portanto, nessainteração que parte da assimilação dos objetos, da sua categorização, e de sua seqüenterepresentação, transformando-os em signos novamente. Esse processo não é outro senãoa semiose.Referências AMSTEL, Frederick Marinus Constant van. Estratégias de navegação na Web: proposta preliminar deuma abordagem semiótica para a decisão do clique. In: Evento de Iniciação Científica da UFPR (XIIIEVINCI), 2005, Curitiba. 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Categorias peirceanas e o mundo sígnico dos deuses iorubás

Categorias peirceanas e o mundo sígnico dos deuses iorubás:
por uma semiose dos orixás
Alexandre de Oliveira Fernandes
*
Resumo: Apresenta as categorias semióticas de Charles Sanders Peirce, ícone, índice e
símbolo, como ferramenta de análise dos signos presentes nos mitos dos deuses iorubás.
O presente trabalho pretende aproximar academia e terreiro, estudando a ação dos
signos, a semiose no culto aos orixás, com vistas a responder como a mitologia dos
orixás e os ritos do candomblé se unem para formar o ethos deste grupo religioso?
Como os símbolos veiculados expressam determinados “comandos”? Como “sentem”
os adeptos do mundo dos orixás o que “sentem”?
Palavras-chave: Semiótica; Mitologia iorubá; Orixá
1. Da academia para o culto aos orixás: notas para
uma aproximação
Algumas áreas do conhecimento já se “apropriaram” do
instrumental da semiótica para responder às suas
questões. Assim, há pesquisas que unem a Semiótica à
Engenharia de Produção, à Interface Gráfica, à
Educação e à Literatura (SILVESTRE: 2003;
HOELZEL: 2004; BARON: 2003; ARALDI: 2004,
SIMÕES: 1999). Contudo, apesar de passados mais de
cem anos da formulação das idéias de Charles Sanders
Peirce (1972), a Semiótica ainda é uma ciência
significativamente pouco estudada nos meios
acadêmicos, refém de um hermético círculo de filósofos
espalhados pelo mundo (QUEIROZ, 2004).
Quando aproximamos esta discussão dos estudos sobre religiões de matrizes africanas é
inegável que também há um longo caminho a trilhar. Coletamos em Munanga (2002)
apenas uma pesquisa que relaciona Semiótica e orixás. Trata-se de Dissertação de
mestrado apresentada à Universidade de São Paulo em 1999 por André Bueno,
intitulada Bumba Meu Boi maranhense em São Paulo: dimensões semióticas.
Neste contexto, defendemos estudos que aproximem a Semiótica e o mundo dos orixás,
propondo uma leitura dos mitos dos orixás e dos ritos do candomblé, tomando a Teoria
Geral do Signo como “uma ciência hipotético-dedutiva", que nos permite apontar
rigorosamente, “embora de modo eminentemente falível”, como se expressam os signos
presentes nesta semiose (PAVAN, 2001, p.12).
* Professor de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de Educação Tecnológica da Bahia -
IFBA/Eunápolis. Mestrando em Letras: Linguagens e Representações pela Universidade Estadual de
Santa Cruz / UESC.
Charles Sanders Peirce
(1839-1914)
85
2. Signo, semiótica e semiose no culto aos orixás
A noção de signo em Peirce é tão ampla que “qualquer ato passado ou qualquer
qualidade de sentimento podem assumir o papel de signo, independentes de um sujeito
psicológico ou de um organismo biológico que os abrigue ou interprete” (PIRES, 2002,
p.36). Isto nos permite inferir que o universo está repleto de signos e isso não depende
de que os percebamos, de que com eles tenhamos qualquer contato: eles simplesmente
existem além do sujeito.
Para estudar os signos, Peirce nos legou a Semiótica, ciência das “condições gerais” dos
signos, uma abordagem lógico-filosófica da linguagem que tem o signo como unidade
mínima de representação.
Como referência para se pensar os níveis de percepção do mundo, a Semiótica propõe
as categorias – primeiridade, secundidade e terceiridade – de onde decorrem os tipos de
signos – ícones, índices e símbolos.
Em termos peirceanos:
A semiótica ocupa-se da semiose, que é uma ação ou influência que é ou co-envolve
uma cooperação de três sujeitos, como por exemplo um signo, seu objeto e seu
interpretante, não podendo tal influência tri-relativa, em caso algum, resolver-se numa
influência entre pares” (CP 5.4841).
Neste sentido, os processos de semiose desvelam o modo pelo qual o homem interpreta
o mundo, uma vez que o ato de interpretar está ligado a como o sujeito apreende um
objeto, seja ele concreto ou abstrato. A semiose é capaz de indicar como experiências
são vivenciadas, haja vista que o indivíduo está exposto à interação com um mundo de
sensações – temperatura, sons, cheiros, texturas, formas, cores. Tudo nos “entra” pelos
sentidos como a visão, o olfato, o paladar, a audição, o tato, os quais recebem estímulos
que, posteriormente serão transformados, através do raciocínio, em representações, que
por sua vez, formam no intérprete uma idealização mental dos objetos. Isto não se
distancia do que ocorre no culto aos orixás, nos terreiros de candomblé.
Quando o adepto do candomblé representa um objeto por meio de um pensamento de
modo tão forte que essa construção toma o “lugar” do objeto em si, um fenômeno
ocorre: a semiose.
3. Categorias semióticas para o estudo dos deuses iorubás: por uma semiose dos
orixás
Ao romper com a dicotomia significante/significado proposta por Ferdinand de
Saussure, Peirce propõe tríades que formam a semiose: (i) da relação do signo consigo
mesmo, ou seja, do representamen, depreende-se a primeira tríade, na qual, o signo
pode ser mera qualidade – qualissigno –, um existente concreto – sinsigno -, ou uma lei
geral – legissigno; (ii) da relação do signo (representamen) com seu objeto,
encontramos a segunda tríade, ícone, índice ou símbolo; (iii) da relação do
representamen com seu interpretante, a Semiótica apresenta sua terceira categorização:
o rema, o dicente e o argumento.
Neste artigo, por questões de espaço, trabalharemos com a segunda tríade, ícone, índice
ou símbolo.
1 Ao referenciarmos o texto de Peirce, Collected Papers of Charles Sanders Peirce, utilizaremos a
convenção, segundo a qual, o primeiro algarismo da esquerda indica o volume e os demais o parágrafo.
86
O ícone é o signo que desponta em nós a capacidade de percebermos semelhanças,
como ocorre em diagramas, imagens, metáforas. São ícones, os signos que indicam uma
qualidade ou propriedade de um objeto ser possuidor de determinados traços de seu
objeto, os quadros, desenhos, estruturas, figuras lógicas. Como exemplos, os textos dos
rituais com suas rezas e provérbios, altamente metafóricos; a expressão “Exu é um
multiplicado ao infinito” (SANTOS, 1986, p.133); Exu enquanto imagem, expressão,
metáfora do poder dos orixás. Uma imagem qualquer, fotográfica ou mental, como a de
Oxum se banhando lentamente nas águas doces, que se reproduz em uma mente cada
vez que ouve cantigas ao ritmo do Ijexá; o desenho de Oxalá com seu cetro em uma
parede de uma casa de axé; só se tornam possíveis porque, enquanto seres humanos,
estamos munidos de uma capacidade designada icônica. É ícone, o ogó que Exu sempre
traz consigo, pois, assemelha-se a um falo. Por outro lado, é índice da alta magia da qual
Exu é o dono (VERGER, 2002, p.76). É a estrutura icônica que transpõe o texto à
consciência do leitor/adepto do candomblé. O iconismo, capacidade de reproduzir
imagens em nossa mente é um elemento da primeiridade, que segundo Peirce, assim se
traduz:
(i) Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem
referência a qualquer outra coisa (CP 8.328); (ii) perfeitamente simples e sem partes
(CP 1.531); (iii) as típicas idéias de Primeiridade são qualidades de feeling ou mera
aparência (CP 8.329).
Ao índice pertencem as relações de contigüidade, causal, real, direta, de encadeamento
entre o representamen e o objeto. Como exemplos, a aláfia, queda aberta do jogo de obi,
fruto de árvore do mesmo nome, utilizado para consultas rápidas que surgem de
perguntas cujas respostas são contempladas com um sim ou um não. Como exemplo,
utiliza-se o jogo de obi para perguntar ao orixá se aceitou a oferenda que lhe foi
destinada (PRANDI, 1996:93); uma chuva rápida logo após uma oferenda para os
orixás das águas – Oxum, Iemanjá, Obá –, indicando sua presença e receptividade; uma
pessoa com barriga d´água, associada à ira de Oxum (SÀLÁMÌ, 1991, p.13); os nomes
das energias – com seus epítetos, que lhes conferem suas “qualidades” –, não são
termos abstratos, escolhidos ao acaso e sim palavras carregadas de significado, são
índice da força do Orixá. Vale conferir alguns nomes de Exu: Elegbara, Senhor Todo
Poderoso; Alaketu, Senhor da Cidade de Ketu; Elérú, Senhor do Carrego Ritual; Ojisé,
Aquele que Tem Livre Trânsito; Enugbarijó, O Boca Coletiva; Oná, O Senhor do Fogo;
Agbá, O Representante de Todos. O mesmo fator indicial ocorre com o oriki – palavra
composta por ori + ki, a qual significa saudar ou louvar (ki) o ori ou a origem do
nomeado (Ribeiro, 1996:102) –, nome que permite às pessoas do santo ser identificadas.
Esses nomes indicam “feitos e características do indivíduo, da família, da cidade ou do
orixá a quem se refere, exercendo função documental”. Ribeiro (1996 p.130) destaca o
nome Jakuta, “aquele que briga com pedras”, para se referir a Xangô; Olokun –
Ol´=senhor / okun = mar –, Senhor do mar, dentre outros, como títulos que indicam as
qualidades da energia. No culto aos orixás, quando se é iniciado, o corpo recebe cortes
que são chamados de “curas”; temos aí, um índice, sinal indicativo de iniciação. O
mesmo ocorre entre os iorubás que marcam seus rostos com cortes que apontam sua
posição social. É índice o modo de se vestir: quando uma ialoríxá está usando seus
diversos colares, e dentre eles podemos ver o laguidibá, colar de âmbar, que marca sua
posição na hierarquia; de mesmo modo, seu torso também será sinal de poder se
apresentar duas abas o mais “majestosamente” levantadas, firmes. Os números pares no
culto aos orixás, são índices de equilíbrio, harmonia, felicidade, pureza, por isso, são
87
duas as vezes que “os búzios são lançados para encontrar o odù, ou o signo, que (...)
governará a vida do iniciado (VERGER, 2002, p.41); em contraste com os números
ímpares que indicam desequilíbrio, passagem, desordem impureza, perigo (SERRA,
2006, p.296). Em especial, o número três indica a presença de Exu, e por meio dele
ritual e mito se encontram: são três “as saídas sucessivas da camarinha”; são três as
vezes que a zeladora leva um ebó ao chão antes de depositá-lo; são três as porções de
água que se joga sobre a terra para umedecê-la e louvar os orixás; bem como são três as
vezes em que determinadas folhas são mostradas ao carneiro quando se prepara dado
ebó; são três as voltas que os filhos de santo dão na praça, com sua zeladora, após a
iniciação; são três as vezes em que o iniciando senta e levanta do pilão antes da
raspagem (VERGER, 2002, p.39-46) – o três aí indicada a necessidade primeva de
louvar Exu e todas as energias do culto. Já o número sete é índice dos orixás masculinos
e o número nove, dos orixás femininos. São índices os textos sagrados – o oríkì
(saudação), àdúrà (reza), orin (cantiga) – “cuja força e profundo significado revelam
feitos e características dos orixás” (SÀLÁMÌ, 1991, p.13). Outros índices, que saltam
em qualquer cerimônia pública são as ações do orixá encarnado em seu filho. Ele indica
a “idade de santo”, o tempo de iniciação quando o orixá brada seu ilá e posiciona para
trás suas mãos, indicando que o iniciado tem sete anos ou mais nos cultos, ou quando
permanece com as mãos na “quartinha”, posicionamento em que as mãos do orixá ficam
uma sobre a outra, na altura da cintura, ao lado esquerdo do corpo, e não solta seu ilá.
De mesmo modo, “o acesso a determinados ritos está em relação direta com o grau de
iniciação” (SANTOS, 1986, p.21). É índice, nos terreiros no Brasil ou na África
(LÜHNING, 1999, p.127), o uso que se faz do mariwo, folha de palmeira, símbolo de
Ogum (VERGER, 2002, p.87), colocada sobre os batentes das portas, sobre as
passagens, “desfiadas formam uma barricada que protege o lugar contra as más
influências, ao mesmo tempo em que proíbem a passagem dos profanos para dentro do
templo.” Com o símbolo, temos a secundidade, que em termos peirceanos, assim se nos
apresenta:
(i) Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é, com respeito a um segundo,
mas sem observar qualquer terceiro (CP 8.328); (ii) o tipo de idéia de Secundidade é a
idéia de esforço, prescindido da idéia de um propósito (CP 8.330).
O símbolo nasce da relação arbitrária entre o signo e o objeto. É independente de
semelhança e das relações causais, pauta-se pelas convenções criadas: palavras, regras,
leis, significados em geral. O símbolo se relaciona com seu objeto por força de uma
idéia na mente do usuário; não está ligado “àquilo que significa através de alguma
similaridade (caso do ícone), nem por conexão causal, fatual, física, concreta (caso do
índice)”. A relação entre o símbolo e seu objeto se dá por meio de um hábito ou lei, que
dá ao símbolo condições de representar algo diferente dele (SANTAELLA, 2001, p.63).
O oxé, machado duplo de Xangô, enquanto símbolo de força e de alta magia; os búzios
e as diversas conchas utilizadas nos rituais como símbolo de riqueza; o dendê símbolo
do “sangue vegetal vermelho”; a água como símbolo de fertilidade; o chifre de búfalo
que adorna o assentamento de Iansã como símbolo de força deste orixá; as máscaras que
nos apresentam as ancestrais femininas, as grandes “mães feiticeiras” (VERGER, 1992);
o assentamento de Exu com seus tridentes; não tem qualquer relação causal com aquilo
a que se referem, mas são aceitos como símbolo pelo grupo no egbé.
O mesmo ocorre com o pilão, símbolo do poder de Xangô; o bàtá, tambor tocado com
duas varinhas no culto aos orixás e consagrado a Xangô; a cabaça como símbolo do
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destino, controlado por Ifá; o màriwò, folha da palmeira, símbolo de Ogum; o ofá, arco
e flecha, símbolos de Oxossi.
Juana Elbein dos Santos (1986, p.17) adverte, porém, quanto à interpretação simplista
dos símbolos, uma vez que “o significado de um elemento está em função de suas
relações com outros elementos. O significado de um elemento é uma função e não uma
qualidade.”
Analisando a simbologia presente nos mitos que se referem às lutas entre Ogum e Oyá,
temos a reiteração da força, às vezes brutal, manifestada para defender os interesses
destas energias, numa visão bastante humanizante; em contrapartida, os mitos que
envolvem Oduduá e Obatalá, parecem sempre simbolizar um macrocosmo
transcendental que deificam estes orixás “distanciando-os” dos interesses humanos
(SERRA, 2006, p.298).
Enquanto convenção, o aspecto simbólico dos rituais se faz presente de inúmeras
maneiras, desde os gestos na dança, os movimentos do corpo, o ritmo dos passos
(BARBARA, 2002); até a comparação entre as formas de se cultuar divindades na
África, no Brasil e em Cuba: há orixás que continuam sendo adorados na África, e o
mesmo pode não acontecer no Brasil; “na Bahia todos os orixás são chamados à terra,
enquanto que na África são saudados por alguns ritmos de tambor, e por se tratar de
uma cerimônia somente para Xangô, apenas o deus do raio será chamado” (LÜHNING,
1999, p.112).
O símbolo é, portanto, uma convenção, um constructo social e mutável que vai se
instalar nos rituais e nos mitos, no comportamento sagrado e, por meio de cerimônias
como a recitação de um mito, a consulta aos orixás, a decoração do barracão para uma
festa, uma limpeza de um filho-de-santo, serve para induzir e motivar “os símbolos
sagrados nos homens e as concepções gerais da ordem da existência” (GEERTZ, 1989,
p.82). Estes símbolos, enquanto um conjunto de “sistemas entrelaçados de signos
interpretáveis” (GEERTZ, 1989, p.10), formam e são formados pela cultura de dado
grupo, e como tal, ficam expostos às múltiplas interpretações a depender dos contextos
(SILVEIRA, 2004, p.27).
A antropóloga, Juana Elbein dos Santos (1986, p.24) afirma que “o símbolo é uma
realidade que transcende”. Os elementos que compõem os rituais – búzio, palha, conta,
ritmo – transcendem o tempo e o espaço e se fazem símbolos porque “são selecionados
e aceitos pelo consenso do grupo para representar uma necessidade, uma carência”, e ao
ser veiculado de geração em geração “se constitui em signo de comunicação, em uma
referência que singulariza”. São os símbolos que “têm a capacidade de levar os iniciados
ao cerne da cosmogonia do candomblé” (SALLES, FALCÃO: 2003).
Destaco por exemplo a representação dos orixás em seus assentamentos. Serra chama
atenção para Ossain, o orixá das folhas. Seu símbolo sagrado é uma representação
cosmográfica:
geralmente consiste numa escultura (em ferro) que, em sua forma canônica, ortodoxa,
compreende uma haste plantada no centro de uma barra redonda, cercada por outras, em
número de seis (ou oito), divergentes a partir do mesmo tronco pouco depois de sua
implantação; a haste central é encimada por um pássaro. A peça sugere uma planta, o
pássaro representa o poder, o axé, de que Ossâin é considerado em diversos mitos, o
grande portador e o grande distribuidor. (SERRA, 2006, p.301)
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Os símbolos a que Serra alude estão ligados ao alto poder do orixá Ossain. A haste com
suas outras seis hastes são símbolos de veiculação de energia, de harmonia, de controle,
mediação, e transmutação de axé. O pássaro, longe de ser uma ave em seu sentido
literal, uma simples ave, está comprometido com “os pássaros”, de quem as “mães
feiticeiras”, as àjé, se apropriam e se personificam. Estas feiticeiras representam “os
poderes místicos da mulher em seus aspectos mais perigosos e destrutivos”. (VERGER,
1992, p.24; 2002, p.122); neste aspecto, podemos propor a ferramenta de Ossain como
símbolo de seu envolvimento com a alta magia. Verger (2002, p.123) dá conta de uma
lenda na qual o pássaro é a representação do poder de Ossain. Como seu mensageiro vai
a todos os lugares e retorna para lhe contar o que está acontecendo. Neste sentido,
enquanto espaço simbólico, os pássaros são representantes de alto poder mágico,
veiculado pelas “mães feiticeiras” e por Ossain. Quanto ao fato de sua ferramenta
sugerir – assim Serra coloca – uma planta, não há dúvida, temos um índice.
Enfim, poderíamos dizer que no culto aos orixás tudo é símbolo, desde que o lugar do
contexto “dinâmico” seja verificado.
Caso a se destacar é o das penas ekodidé, que “pertencem ao vermelho, representam o
poder e o axé de Osun-Olori-Eleye” (SANTOS, 1986, p.89). Amarradas à cabeça do
filho de santo podem significar uma série de coisas. O que fazer então? Entendê-las
como índice de poder, de axé, uma vez que não guarda qualquer semelhança com o axé
em estado latente, poder espiritual, ou destacá-las como um símbolo, uma vez que são
uma convenção de um dado grupo?
Santos (1986, p.89) aprofunda a questão ao propor que os ekodidé “não simbolizam o
vermelho genérico, mas – como os cauris, os búzios, para o branco – representam
fragmentos do vermelho, seres individualizados, o elemento procriado.” Pretendo
afirmar, então, que tanto os ekodidé, quanto os cauris são neste aspecto símbolos, já que
no culto nada têm “um significado constantemente intrínseco, mas essencialmente como
fazendo parte de uma trama e de um processo” (SANTOS, 1986, p.17).
Para que não paire dúvidas, quero ratificar minha afirmativa do parágrafo anterior: “no
culto aos orixás tudo é símbolo”; principalmente quando entendemos que os rituais e
tudo que ali está disposto –, inclusive os discursos –, são permeados pelo poder do axé;
foram fundamentados no axé, por isso, o reiteram, ratificam, corroboram, reelaboram o
axé, num movimento cíclico, contínuo, de capacidade simbólica infinita. Essa também é
a visão da antropóloga:
Todos os objetos rituais contidos no “terreiro, dos que constituem os “assentos” até os
que são utilizados de uma maneira qualquer no decorrer da atividade ritual, devem ser
consagrados, isto é, ser portadores de axé. Os objetos têm uma finalidade e função.
Expressam categorias, diferentes qualidades. Seus elementos são escolhidos de tal
forma que constituam um emblema, um símbolo. (SANTOS, 1986, p.37).
A dijina, nome que será dado ao iniciado, por exemplo, tem de ser descoberto e não
“inventado”, porque através dele, se veiculará axé, poder vital, toda vez que seu nome
for pronunciado, num mecanismo que saúda as energias que o protegem (RIBEIRO,
1996, p.119).
Verger (LÜHNING, 2002, p.48) retratando uma iniciação de Xangô conta que depois de
encarnado, esse orixá “é conduzido ao interior da casa, onde se reveste dos hábitos
litúrgicos da divindade (...).” Ao que após, retorna, utilizando-se do oxé, “o duplo
machado simbólico do deus, para benzer a multidão ajoelhada, os tambores que dizem
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sua glória”. Também encontramos em Verger o banho no rio como processo simbólico
para “se despir de sua antiga personalidade”. Uma outra passagem ilustra esta
característica do culto: Verger relata o fato de Roger Bastide ter recebido na Bahia “um
colar de pérolas de vidro vermelhas e brancas alternadas, cores simbólicas de seu deus”,
o que por ele era considerado um “passaporte” que facilitava sua ligação com
cultuadores de orixás na África e o identificava como “filho de Xangô” (LÜHNING,
2002, p.47).
Os elementos simbólicos “criam” e se “envolvem” em uma metafísica transcendental,
de modo que, o iniciado não se inclina diante da madeira, porcelana, barro, palha ou
pedras, mas diante do abstrato-sagrado, veiculando a essência mística que simbolizam.
Neste sentido, o ogó e a cabaça de Exu – que citei acima como sendo ícones porque
guardam semelhança com o órgão sexual masculino –, tornam-se símbolos de alta
magia: o ogó, espécie de cetro mágico, pode transportar Exu para os caminhos mais
longínquos, e sua cabaça lhe confere ligação à ancestralidade feminina e masculina e a
criação do mundo. Exu está ligado a estes símbolos por ser o portador mítico do sêmem
e do útero ancestral (SANTOS, 1986, p.130). Aliás, não só Exu simboliza um poder
fálico. Serra (2006, p. 297) dá conta de que Ogum, deus agressivo e criador, em
diversos mitos e rituais aparece ligado à questão da criação. Neste sentido, à Ogum
também são conferidas características fálicas: seu facão e a vara de ferro com a qual
manipula magias estão sempre presentes, além de ser o número sete, o que mais está
associado a este orixá, o “que tem grande importância cosmológica no sistema”.
Os símbolos são estratégias para englobar situações e sua interpretação, “uma vez
descoberto seu nexo ontogenético, seu ou seus referentes, permite-nos tornar explícita a
realidade fatual” (SANTOS, 1986, p. 23). Por isso, posso afirmar que os mitos são
símbolos que transcendem o dito comum “lendas populares”, são mitos africanos que
apreendem em seu contexto símbolos universalmente reconhecíveis com significação
psicológica e espiritual (FORD, 1999).
4. Pensando em concluir: o “culto” semiósico
Assim, o jogo semiósico vai se estabelecendo entre o sujeito e o mundo, sujeito e
deuses, deuses e mundo, por meio da mediação sígnica.
É possível dizer que no candomblé, são os mitos que enquanto interpretantes – efeito
interpretativo que o signo produz –, referendam os rituais.
O mundo construído pelos ritos e seus mitos se dá, portanto, em termos semióticos,
através da apreensão dos objetos por meio das categorias que participam da semiose.
Em outras palavras, o sentido não é uma criação de um eu transcendental, mas uma
construção, resultado do encontro e da relação de um signo com outro signo, o que se dá
continuamente, infinitamente, mesmo sem que nos apercebamos disso.
No tocante ao culto aos orixás, o homem – também sendo ele um signo – está diante de
estruturas que se expressam por símbolos – “toda a religião, sua morfologia, sua prática,
todos os seus conteúdos (...)”. Por isso, “desvendar as correspondências dos símbolos e
os interpretar nos permite explicitar os conteúdos do acontecer ritual” (SANTOS, 1986,
p.25). O homem, sem dúvida, cria os signos que compõem os mitos e os rituais com
seus símbolos significantes, mas também é controlado e criado por eles, numa contínua
retroalimentação da semiose.
Os conceitos semióticos, com suas categorias, apresentam como interpretamos, como
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pensamos as coisas, de que modo os fenômenos são apreendidos pelos sujeitos. O
conhecer, o apreender, o representar o mundo – dos rituais –, ocorre, portanto, nessa
interação que parte da assimilação dos objetos, da sua categorização, e de sua seqüente
representação, transformando-os em signos novamente. Esse processo não é outro senão
a semiose.
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A COZINHA, OS ORIXÁS E OS TRUQUES: ENTRE A INVENÇÃO E A RECRIAÇÃO ONDE O TEMPO NÃO PÁRA...

A COZINHA, OS ORIXÁS E OS TRUQUES: ENTRE A INVENÇÃO E A RECRIAÇÃO ONDE O TEMPO NÃO PÁRA...

Vilson Caetano de Sousa Júnior1

PUC-SP

Trabalho apresentado no seminário temático ST03 "Os afro-brasileiros".

VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina

São Paulo, 22 a 25 de setembro de 1998




A comida e o comer ocupam um lugar fundamental na vida dos terreiros de Candomblé. Isso aparece explicado de várias formas, através de uma visão muito ampla, onde ela é entendida como força vital, energia, princípio criativo e doador de algo. Na comida, encontra-se a energia máxima de uma oferta, mas, acima de tudo, ela é a força que fortifica os ancestrais, então, é um meio, um veículo através do qual, grupos humanos e civilizações, se sustentaram durante milênios fazendo contrato com o Sagrado.

No terreiro, a chamada comida de Orixá obedece a prescrições complexas construídas ao longo do tempo e redefinidas a cada momento, de acordo com a função que deva desempenhar ou à “realidade” que deseje instaurar ou dialogar. Tudo isso é expresso nas múltiplas formas, maneiras e diferentes modos de preparar, fazer ou de “tratar” os ingredientes.

Comida é sacrifício, ebó2 no seu sentido mais amplo, mola propulsora que conduz e leva o Axé3. Daí sua íntima relação com Exu, aquele que come tudo, encarregado de sua distribuição no mundo. O sacrifício é, asssim, indispensável para viver, pois nada se sustenta sem esta troca de força, de energia, sem essa reposição, num universo onde tudo é dinâmico e nada acontece por acaso. Onde até uma folha que se desprende da árvore tem um por que preciso.

Através da comida oferecida aos Orixás, se estabelecem relações entre o devoto, a comunidade e o Orixá. É sobretudo nas festas que isso mais se expressa. Festas que se desenrolam ocultamente aos olhos dos de fora, que podem levar meses e festas que são feitas para os de fora, realizadas no barracão, tornadas públicas, onde, em algumas delas, são exibidas a maior quantidade possível de comidas servidas aos Orixás da casa, e eles próprios servem a sua comida, distribuindo, assim, aos presentes a sua força máxima.

Por traz de cada prato ofertado há uma visão de mundo, um porque, que faz com que o comer instaure um sistema de prestações e de contraprestações que englobam a totalidade da vida. Comida é sempre um contra presente.

A comida de Orixá difere, assim, das comidas servidas no dia a dia do terreiro, bem como daquelas passadas no corpo das pessoas, usadas para “descarregar”, limpar, livrar de algum contra-axé4.

Em linhas gerais, comida é tudo que se come. Desde à pimenta e o obi5 que se masca para conversar com o Orixá, ao naco de carne oferecido a este mesmo Orixá, partilhado pela pessoas. Nesse processo de diferenciação, em que os ingredientes, na sua grande maioria, são os mesmos, muda-se a forma de ritualizar, a elaboração, o cuidado, “o tratamento”, a maneira de lidar com o mesmo ingrediente, o sentido impresso e invocado através das palavras de encantamento, cantigas e rezas.

Assim, falar sobre esta comida, suas relações, circunscrevê-la dentro de um espaço, momento, consiste num dos nossos principais desafios. Enfrentá-lo, é o que tentamos fazer sob o título: A Cozinha, os Orixás e os truques: entre a invenção e recriação onde o tempo não pára...

Candomblé mesmo é cozinha...”

Dentro do universo do Candomblé, a cozinha merece uma atenção especial, por ser um dos espaços onde se passa e se constitui o sagrado. Tudo nela remete a esta dimensão. Assim, “A cozinha de santo” aparece sempre como algo distinto, separado da cozinha do dia a dia. Separada na sua grande maioria, não por limites externos, mas internos que são representados por mudanças de atitude, ações, formas de uso, etc.

Em muitos terreiros de Candomblé, o local onde são preparadas as comidas dos Orixás é o mesmo onde são feitas as comidas do dia a dia. Esta separação, todavia é realizada de forma bastante visível e determinada. Muitas vezes se reserva para as comidas de santo um fogão especial que pode ser de lenha ou industrial, enquanto a outra permanece num fogão menor. Comum é se trocar de horários. É muito difícil se mexer com as panelas dos Orixás ao lado de outras panelas, bem como misturar os utensílios destas duas cozinhas.

“ Cozinha do santo” é, assim, mais que um lugar determinado que, em terreiros de estrutura maior, os mais antigos, se tem para preparar somente os pratos dos Orixás e, sim, um espaço criado e redefinido a cada momento, no terreiro, através da separação dos objetos, utensílios e mudanças de comportamento. Tudo participa do sagrado: o espaço em si , as panelas, travessas, pratos, bacias, cestos, peneiras, colheres de pau, ralos, o pilão, as frigideiras, formas de assar e sobretudo as pessoas que nele transitam.

A cozinha é cheia de interdições como: não conversar mais que o necessário, não falar alto, gritar, cantar ou dançar músicas que não sejam do santo; não entrar pessoas que não sejam iniciadas-dependendo do que se estiver fazendo, somente um número muito restrito-não admitir que mulheres menstruadas permaneçam nela, etc. Neste espaço sacralizado, tudo vai ganhando significado: a bacia que cai, o garfo, a faca, a colher, o óleo que faz fumaçar o fogo, etc. Na cozinha se aprende além do “ponto” certo de determinado prato, que não se dá as costas para o fogo, não se joga sal no chão, não se mexe comida de Orixá com colher que não seja de pau, que a comida mexida por duas pessoas desanda, que não se joga água no fogo e que muitas pessoas por terem o sangue ruim fazem a comida desandar. Ou que a presença de pessoas de um determinado Orixá faz com que uma certa comida não dê certo, como por exemplo: em cozinha onde se tem gente de Xangô o milho de pipoca queima antes de estourar. Pela cozinha, entram as pessoas de maior prestígio na Religião e é nela própria que, em certas ocasiões, muito antes mesmo de se chegar no peji do Orixá, que este é consultado a fim de se saber se a comida foi bem preparada ou não.

Embora marcada por vários limites, a cozinha é mesmo escola mestra, local onde se aprende as lições mais antigas, através do exercício longo e paciente da observação. Local onde permanecem por maior período de tempo os iniciados, seja varrendo, lavando, limpando, guardando, acendendo ou mantendo o fogo, cozinhando, com olhos e ouvidos atentos a tudo que se passa nela. Daí entende-se o dizer corrente: Candomblé mesmo é cozinha!!!” Talvez por ser ela mais que um local de transformação e sim de passagem e transmissão de conhecimento, por onde transita algo essencial que ultrapassa os limites das oposições por situar-se no mais intimo e profundo ser do homem: o comer.

Jé: o verbo comer

Muito mais que relacionada a um sistema nutricional, a comida se articula e se compreende a partir de um universo maior onde a oralidade constitui um dos meios mais expressivos de passar seus preceitos, a observação um método indispensável para sua manutenção e o comer um dos verbos, que embora muitos conjuguem, reserva-se a poucos, restringindo-se àqueles que conhecendo o “tratamento” entendem o papel e significado desta comida como Axé, força vital e sacrifício indispensável para a conservação da vida.

A comida de Orixá articula-se num universo que estabelece diferenças e “oposições”. As primeiras dizem respeito ao que se come, ao que não se come e ao não comer; ou ainda, ao como se come e com quem . As oposições são formuladas, quanto à origem, em comidas secas e comidas de ejé. As comidas secas são também chamadas de comidas frias. São todas aquelas não provindas do sacrifício animal, ou as que são à base de grãos, raízes, folhas e frutas. Por sua vez, uma outra oposição relacionada ao quente e ao frio surge tomando como referência o azeite-de-dendê e a pimenta ao lado de outros ingredientes.

Outra maneira de formular as “oposições”, diz respeito à passagem mítica da vida de cada Orixá. Assim, há os que comem com pressa, aos que recebem comidas sem forma, amassadas e aqueles que gostam de comidas mais detalhadas. Isso explica a diversidade de iguarias numa cozinha em que há os que comem cru, mal passado, torrado, frito, cozido e amassado.

Dentro desse universo, o azeite-de-dendê ao lado da folha de banana cumprem uma função fundamental. Dendê é força, origem. Seu óleo está associado ao esplendor de algumas civilizações ou, ainda, à criação. A bananeira, por sua vez, liga-se ao crescimento e à transformação. Ela é a cama, sobre a qual, tudo que repousa, se deita sobre ela . E tudo que se enrola é envolto nas suas folhas verdes ou secas e amarrado com suas própria fibras.

Vale ainda chamarmos a atenção, que, quando se fala da comida de Orixá, associada à uma “cozinha africana”, esta é entendida como um conjunto de técnicas, formas e maneiras de preparar, trazidas pelas diversas etnias africanas, que aqui foram conservadas e reelaboradas, ao lado de outras inventadas. Assim, também, a cozinha dos Orixás. Não se trata de voltar à África, mas fazer com que tal cozinha se torne africana. Africana no sentido de expressar, trazer presente, experiências longínquas de reinos, civilizações, histórias de grupos, somadas a tantas outras. A comida de Orixá é, assim, uma “comida brasileira” em que tantos motivos afros se fazem presentes. Ao mesmo tempo, é uma “comida africana” onde inúmeras experiências do Novo Mundo foram acrescentadas à ela. Na cozinha dos Orixás, ao lado das continuações, temos recriações e invenções feitas a todo momento. O que faz a comida de Orixá é um ritual profundamente complexo, elaborado e articulado segundo códigos e princípios, alguns deles de “porque” perdido no tempo. Daí entender-se, mais uma vez, a frase que diz: “ Tem gente que pensa que é só comida.”

A sacerdotisa da comida

O segredo desta culinária é comandado pela guardiã da cozinha, a Yabassê. Aquela que “muito faz e pouco fala.” Quando se fala da sacerdotisa da comida, as formas mais antigas de transmissão do conhecimento trazida pelas diversas etnias africanas vão ser evocadas: a observação e a convivência. E o mestre dos mestres será mais uma vez chamado: o tempo. O conhecimento ritual, o respeito, a criatividade e o comando apresentam-se como o perfil da Yabassê e orientam à sua escolha, mesmo que, hoje, nos “novos tempos,” poucas sejam as mulheres que se disponham a tal cargo; não pelo gosto, mas pelas funções assumidas por elas na sociedade.

A imagem da Yabassê apresentada pelos sacerdotes, remonta aos primórdios, quando Olodumaré, Deus, entregou o poder de criar e de tudo transformar às Grandes Mães. A velha que cozinha, divide, assim com o poder ancestral feminino esta força, assim como todas as mulheres. Daí recair sobre ela o tabu da impureza, que reflete as relações de poder, as tensões entre homem e mulher expressas em alguns mitos da sociedade yorubá, num ambiente onde embora sua função seja de procriar, ela goza de plena liberdade e independência dentro do grupo. Permitir que a mulher menstruada manipule a comida é expor toda a comunidade ao poder das Mães Ancestrais, que serve tanto para o bem, quanto para o mal. A Yabassê é, uma das pessoas que no terreiro, mais expressa essa força, pois trabalha com ela dia e noite, ao manipular a colher de pau para transformar grãos e alimentar tudo e todos, conservando, recriando e inventando.

Os Orixás e suas comidas

Para o povo de santo, falar sobre as iguarias oferecidas aos seus Orixás não é o mesmo que informar sobre o cardápio de um dia de festa. Dizer as coisas que o santo come é quase como revelar um segredo, um espaço de foro íntimo de cada terreiro. A ausência de muitos pratos, a presença destes sem nomes, silêncios, lapsos de memória, muitas vezes, antes de ilustrarem um desconhecimento, constituem parte de um saber, muito especial, guardado pelos mais antigos na religião, a que só poucos tem acesso. Bastante impressionante o que certa vez ouvi de uma Yalorixá: “ a Yabassê é aquela que muito faz e pouco fala”.

O não falar insere-se no contexto onde a oralidade constitui um dos veículos mais fortes de transmissão do conhecimento, os chamados segredos, fuxicos de santo, ensinamentos rituais, fundamentais, na sua grande maioria balbuciados no ouvido do iniciado, ou passado em palavras incompreensíveis e fórmulas incompletas.

As comidas oferecidas no terreiro aparecem sempre como algo particular, pertinente àquela casa. Receitas pela metade, pratos sem nomes, queixas e justificativas somam-se, ao lado de recriações, a todo instante, no fogão dominado pela Yabassê.

Da África, os Orixás vieram de diferentes lugares, antigos reinos africanos, muitos deles inimigos. Diferentemente das suas regiões de origem, o culto dos Orixás no Brasil, antes de estar ligado à uma família, uma confraria, foi ampliado e praticado num mesmo espaço. Destruída a família clânica, extensa, sua noção vai ser reconstruída no solo brasileiro como uma grande família teológica, chamada família de santo.

No Brasil, esse universo teológico foi perpetuado mas também reinterpretado. Muitos Orixás não poderam mais ser cultuados, outros transformaram-se na vinda para o Novo Mundo. Assim como outrora na África, muitos deles trocaram de nome, mudaram de região ou até mesmo cairam no esquecimento, por conta de migrações, ou de guerras que obrigavam o grupo a peregrinar de um canto a outro. Não levavam seus rios, mas objetos sagrados em torno dos quais reorganizavam o culto de seu orixá.

Dos diversos Orixás introduzidos no Brasil, dezesseis são os mais conhecidos e cultuados pela maioria dos terreiros, embora se saiba que este número é também simbólico.

A farofa de azeite e Exu

Exu é um dos Orixás, sobre o qual, ainda hoje, mais se fala. Ele permanece no dia a dia dos terreiros como aquele mais enigmático sobre o qual, nada traduz seus feitos, artimanhas e armadilhas.Como na África, colocado nas estradas, no mercado, na frente das casas, entradas das cidades, Exu é quem governa a frente da porta de entrada do terreiro. É o grande controlador das entradas e saídas. Daí serem seus domínios, encruzilhadas, esquinas, portas, janelas, ruas, etc. Dele depende a comunicação, o trânsito, o sucesso nos negócios, nos jogos...

Se acredita, no terreiro, que Exu coma tudo, contando que esteja regado com muito azeite-de-dendê e ataré, pimenta. Exu recebe ainda, pratos á base de milho vermelho torrado, feijão preto torrado no dendê e farofas de vários tipos: farofa de mel, de água, decachaça, de vinho, de champanhe, de cerveja, embora se saiba que, como “dono do azeite”, a farofa de azeite é sua iguaria preferida.

Ogun e a comida feita às pressas

Ogun, é um dos Orixás mais populares no Brasil. Segundo a teologia dos terreiros, ele marcha à frente de todos os cortejos, rememorando a chegada dos novos tempos, sob a marca do ferro. Ogun é o senhor das coisas cortantes. É o patrono dos ferreiros e lembrado como pai da metalurgia. Representa a ousadia do homem em domesticar o fogo, trazendo-o para a casa, inventando a forja e construindo cidades.

No terreiro é sob a forma de desbravador e guerreiro que Ogun vai ser lembrado, empunhando sempre uma espada .

Além da famosa feijoada, Ogun come inhame assado e descascado regado com azeite-de-dendê, ou o inhame assado e espetado com palitos, como também come o inhame simplesmente cortado ao meio, passado mel e dendê . Recebe feijão preto, milho vermelho torrado e enfeitado com coco . Acredita-se que os Orixás guerreiros comem também cru ou torrado pois eles não tem tempo de esperar...

Oxossi e a fartura

Oxossi aparece intimamente ligado à Ogun. No terreiro, diz-se que é seu irmão. Orixá caçador, Oxossi liga-se à terra virgem àquela não pisada, descoberta pelo pioneiro prudente que enfrenta o mistério e o segredo das florestas. Além de Ogun, Oxossi liga-se à Ossain, às folhas, ao segredo das plantas e remédios. De acordo com alguns mitos, Ele teria sido enfeitiçado por este Orixá, se embrenhado no mato de onde nunca mais saiu.

Oxossi representa o recolher dos grãos, a produtividade, as atividades coletoras e à caça. A ele são oferecidas frutas, além de comidas à base de milho e feijão fradinho torrado.

Ossain, o vegetal

Ossain participa de toda a vida do terreiro, mantendo relações com todos os Orixás. Ele é as próprias folhas ( Ewé), indispensáveis à medicina.

Ao lado das comidas oferecidas a este Orixá, vão aparecer oferendas obrigatórias como moedas: o pedaço de fumo, o mel e o vinho colocados na sua cabaça. Acredita-se que, sem estas prendas, ninguém ousaria penetrar no seio das matas, no âmago da floresta, domínio de Ossain.

Ossãe vai comer pouco por ser considerado um vegetal. Em algumas casas, recebe um prato de milho branco, temperado com cebola, dendê e camarão e enfeitado com duas maçãs verdes, cortadas em cruz.

Ossain também come, além de frutas, comidas à base de feijão fradinho, torrado ou cozido, milho e batata doce cozida, amassada e refogada com azeite-de-dendê. Come, também, farofa de mel temperada com fumo de rolo desfiado e enfeitado com folhas da costa.

Obaluaiyê come mesmo é doburu, pipocas

Obaluaiyê ou Omolu é conhecido por vários nomes: médico dos pobres, meu avô, o velho. Diante dele todos são obrigados a se curvarem. Ele liga-se, diretamente, à terra e com ela aos antepassados, nascidos para uma outra vida. No Novo Mundo, várias histórias de curas se juntaram aos mitos trazidos pelos africanos e africanas escravizados, sobre suas conquistas e guerras vencidas. No barracão do terreiro, o guerreiro valente vai apresentar-se sob palhas que caem sobre seu corpo, escondendo a varíola e todas as espécies de doenças contagiosas. Só os preparados podem tocar neste Orixá. Dele só se ouve o grito ou o assobio que intercala sua dança principal, o opanijé, quando somente os atabaques tocam. Em Yorubá, tal palavra traduz a marca forte deste Orixá temível e respeitado por todos: “Ele mata qualquer um e come.”

Obaluaiyê come tudo! A comida dos outros e a dele. Come doburu torrado, isto é, pipopas, coco, feijão preto, milho torrado e o afufurá que é uma farofa de milho, temperada com coco, açúcar, tudo torrado e enrrolado tipo cartucho. Ele come o que Ogun come.

Dan, as cobras e a comida

Oxumarê é a cobra e o arco-íris ao mesmo tempo. Dan, na língua fon, ou Oxumarê para os yorubás, que dança fazendo os movimentos de uma cobra, apontando para cima e para baixo, ou arrastando-se no chão, é macho e fêmea. Nesta última posição aparece com o nome de Ewá.

Em algumas estórias, Ewá foi a mulher bonita que teria enganado a morte quando esta procurava Orunmilá , o testemunho do destino . Como Oxumarê, Ewá é considerada um dos Orixás que exigem muito saber e conhecimento para que se realize a sua iniciação. As suas comidas são à base de banana da terra e batata doce. Há casas, todavia, onde ele recebe feijão fradinho torrado ou cozido e folhas de mostarda.

Sobre estas comidas não se comenta muito também. Verdade é que, assim como este Orixá macho e fêmea, de difícil fundamento. Suas comidas são consideradas também escassas.

Nanã e o respeito às idades

Outro Orixá que é cercado de muito mistério, respeito e temor é Nanã. Ela, juntamente com Obaluaiyê, é um Orixá muito antigo.

Diante da Anciã que domina os pântanos e territórios lamacentos, com seu cajado ritual, seus passos lentos, sua sabedoria, as pessoas se curvam como se dobrassem o corpo perante a própria morte.

No terreiro, diz-se que ela é mãe de Omolu e Oxumarê. Tiras longas de búzios caem de seu ombro, assim como em seus filhos. Colocada sempre junto à Oxalá, Nanã guarda nas suas cores escuras, o segredo e o mistério da existência.

Nanã come dandoró, feijão fradinho descascado um por um, após ter ficado de molho por algum tempo. Depois tempera-se com cebola, camarão e dendê. Ela gosta também de mingaus

Nanã também recebe milho branco temperado com azeite doce e camarão, enfeitado com folhas de mostarda, assim como arroz bem cozido, temperado com mel, ou arroz com casca, “estourado” no fogo como pipoca, além da sobra da pipoca, pilada, feito, pó, refogada no azeite-de-dendê.

Diz-se ainda que a Velha é o celeiro do mundo, todos os grãos lhe pertencem. A ela nosso respeito!

Os truques, a cozinha e Oxun

Oxun é conhecida por sua vaidade, riqueza e beleza. Ela é a grande responsável pela vida uterina, daí suas relações com as feiticeiras, mães ancestrais. Cultuada nos rios, nas águas correntes das cachoeiras, Oxun come Omolocum, mas seu prato predileto mesmo é o ypeté, seu segredo feito com camarão ou peixe. Oxun come também ovos, efó e vatapá.

O omolocum é considerada a comida sagrada de Oxun, e possui muito mistério. É feito com feijão fradinho cozido, temperado com azeite-de-dendê, cebola, camarão e um pouco de sal. Depois de pronto, é arrumada numa vasilha e enfeitada com ovos cozidos, símbolo por excelência de Oxun.

O efó é uma comida feita com folhas. Consiste em folhas aferventadas no vapor e refogadas no azeite-de-dendê com um pouco de sal.

O vatapá pode ser feito de farinha de trigo, de mandioca, ou de pão. É uma comida onde se mistura ao leite de côco, a farinha , o azeite-de-dendê, a cebola, o camarão, a castanha, o amendoim, o coentro, o tomate e o pimentão bem triturados.

Logun, caçador e filho de Oxun

Entre os velhos, guerreiros e grandes mães, Logun Edé é colocado como menino, príncipe. De acordo com algumas estórias, é filho de Oxun com Oxossi. A dona dos rios teria se travestido em samambaia para conquistar o velho caçador que pescava às margens deste. Desse casamento nasceu Logun, um caçador que possui os atributos de seu Pai e de sua Mãe.

Dos Orixás trazidos pelos africanos de Ijexá ao Brasil, só restou Logun Edé, o menino que seis meses vive na terra e caça e seis meses vive debaixo d’água e se alimenta de peixes. A terra que sustenta o leito dos rios, na verdade é a sua representação por excelência.

No terreiro, as oferendas que lhe são servidas, são acompanhadas das comidas de Oxun e de Oxossi misturadas. Logun come o que Oxosse e Oxun comem. Come misturado o axoxô com o omolocum.

Obá, o Orixá vencido pela comida

Obá insere-se na lista daqueles Orixás raros, de culto quase em extinção, que exige muito saber e profundo conhecimento ritual, fundamentos e preceitos para iniciar alguém.

Na memória do povo de santo, guarda-se sua profunda ligação com Xangô, do qual teria sido a terceira esposa. Traída por Oxun, a velha Obá teria sido logo abandonada por seu marido, irritado por ver flutuando na sua sopa um pedaço de sua orelha.

A guerreira que se traja de cores fortes, come abará, mas gosta também, de Omolocum misturado com farinha de milho com uma cebola crua em cima.

O abará é uma comida feita à base de feijão fradinho descascado e passado na máquina com cebola e camarão. Após a massa pronta, acrescenta-se gengibre e azeite-de-dendê. Depois enrola na folha de banana e cozinha-se no vapor.

Oyá, akará e o fogo

A senhora dos ventos e das tempestades e do rio Níger, que na África chama-se Odò Oyá, esposa preferida de Xangô, o rei dos trovões, popularmente conhecida por um dos seus títulos, Yansã , em terras brasileiras é um dos Orixás mais festejados.

Embora associada às águas, Yansã divide o elemento fogo com o rei. De acordo com um mito, esta teria esta poção mágica, a pedido deste, mas no meio do caminho comeu parte dela, dividindo-a a partir de então, com o senhor que arremessa pedras de raio, tal poder.

A comida preferida de Oyá é o akará, o famoso akarajé. Mas ela come também, caruru em rodelas.

Yemanjá e o ebô-yá

Yemanjá é a mãe de todos os Orixás. Nas estórias, Yemanjá possui vários nomes. Todos querem dizer algo sobre a mulher cujos seios partidos deram origem aos dois maiores oceanos e cujo ventre esfacelado a fez mãe de todos os Orixás.

A paciência é uma de suas características, o rigor sua marca; a beleza e a serenidade lembram a grande mãe que, quando dança nos seus filhos e filhas, balança os braços as mãos como ondas que outrora embalaram o mundo. Yemanjá é a mãe de todos .

Princípio da fertilidade, várias passagens lembram seu trabalho ao lado de Ajalá, o modelador do ori, a cabeça. Yemanjá encontra-se naquele período primordial de cada ser humano, quando seu odu, destino, herança ligada aos seus ancestrais míticos e antepassados é dado, amparando tudo e todos. A ela são consagradas todas as cabeças. A inteligência e o equilíbrio do mundo lhe pertencem.

A principal comida dada a Yemanjá chama-se Ya Ebô, ou seja, milho branco refogada com cebola ralada e camarão moído e um pouco de camarão inteiro. Em determinadas casas, faz-se com azeite de oliva em razão de Yemanjá está muito próximo a Oxalá.Yemanjá recebe também manjar, um prato feito com leite de coco e creme de arroz.

Amalá, a comida secreta do rei

Xangô é rei. Este Orixá é de tanta popularidade que, no Recife, seu nome diz respeito a todos os cultos africanos praticados em Pernambuco.

Conhecido como juiz e princípio da justiça, Xangô, que odeia a mentira, pune com rigor e violência todos os seus inimigos. Na sua dança, relembra sua majestade, mas também sua criatividade diante do fogo. Pai de muitos filhos e homem de muitas mulheres, Xangô é comemorado ao redor de sua comida preferida, o amalá, prato regado com um molho de quiabos. Além disso, Xangô gosta de comer inhame, bola de arroz e akassá .

Oxalá, as raízes e os grãos

Na lista dos Orixás, Oxalá ocupa uma posição incontestável. É o rei do pano branco. Por baixo da alvura de suas vestes vela-se o segredo da existência, da vida e da morte. Ele é as águas imemoriais que enchiam a terra. Quando se fala em Oxalá, pensa-se em Deus, numa coisa universal, no Universo , feminino e masculino, pois, Deus não tem sexo. É um dos Orixás mais antigos.

Apoiado num cajado ritual, o opaxôro, ou árvore da vida, o Ancestral da Criação surge sob duas formas. A primeira, como um ancião que se movimenta apoiado com a ajuda das pessoas e a outra como um guerreiro, amante de inhame pilado que luta armado de escudo, espada e exibe numa de suas mãos, sua insígnia, a mão de pilão.

Uma de suas comidas, o ebô, nomeia também a sua festa. O Ebô é uma comida feita de milho branco simplesmente bem cozido. Oxalá come também inhame cozido amassado, akassá, uma pasta feita de milho, enrolada na folha de banana, e ekuru, iguaria à base de feijão fradinho, cozida no vapor.

Grãos, frutas, raízes e folhas..

No cardápio à base de folhas, grãos, frutas e raízes, o feijão e o milho aparecem quase como ingredientes obrigatórios. Oxossi e Ossain vão receber todas as frutas.

Em linhas gerais, os Orixás elementares associados à terra e os que se relacionam com estes reclamam comidas menos elaboradas, mais simples: raízes e grãos simplesmente bem cozidos, às vezes amassados. Aqueles que se ligam a momentos de passagens, de rupturas, às migrações, às guerras, como os caçadores, comem muito rápido, na linguagem do povo de santo, às presas, refletindo a instabilidade da fixação do grupo no solo, as resistências e dificuldades encontradas, o esforço para expandir as fronteiras de sua civilização: São suas comidas: o milho torrado, o inhame espetado de palitos, ou assado, sapecado no fogo, ou até mesmo cru, cortado e posto simplesmente nos pés do Orixá, ou regado com azeite-de-dendê ou jogado a seus pés, como é o caso de Oxoguiã. Comidas preparadas, diferentemente daquelas feitas à base de farinhas de inhame, de milho, de feijão, quiabo, regadas no azeite-de-dendê, em forma de pastas ou fritas.

O inhame permeia todos os pratos. Com ele se prepara múltiplas iguarias, as mais variadas, servindo desde suporte para se fazer um paliteiro, à ingrediente de papas e massas através de seu cozimento, refletindo, assim, a sua importância social e cultural conhecida por toda a África pré-colonial que ergeu verdadeiras civilizações em torno deste tubérculo. Na linguagem do terreiro, o inhame aparecerá como um instrumento forte e, como tal, algo que entra em toda culinária

Um brinde às comidas

Embora fuja à nossa discussão, as bebidas exercem uma vital importância ao lado das comidas de santo no terreiro. Não há comida sem bebida.

No terreiro, é por todos conhecido, que um dos tabus de Oxalá é a bebida alcólica, obtida através da fermentação independente do método usado para isso . O Criador teria se embriagado com o vinho de palma, extraído do dendezeiro, após furar o seu tronco, no momento da criação. Mas é também sabida, a grande apreciação de Ossain, pela bebida. Ninguém ousa entrar no mato sem desejar ao lado de sua comida uma garrafa ou cabaça contendo os elementos de sua preferência . Sem falar de Exu, que reclama todas as bebidas. Beber é um ato que acompanha o comer e há momentos onde isso se torna imprescindível.

Água é a bebida básica presente em tudo. Assim, é prestígio para a casa, uma pessoa reconhecida na religião pedir água e tomar. Mesmo porque só se pede e se bebe água quando se tem muita confiança. A água acompanha, obrigatoriamente, todas as comidas oferecidas aos Orixás.

Não pode deixar de ser mencionada a importância do vinho de uva. Talvez rememorando o vinho extraído do dendezeiro, vinho africano, presente somente, hoje, na memória dos terreiros. O mais usado é o vinho branco, licoroso, doce. Há situações, todavia, que pedem o vinho tinto, mas sempre o doce, como é o caso do caruru de Ibeji em alguns terreiros. É imprescindível que na mesa dos “meninos”, nas taças em que as crianças brindam neste dia, não falte o vinho. É uma bebida de honra.

Há bebidas consideradas quentes como o aguardente de cana, estas são reservadas à Exu, que algumas vezes recebe também gin ou whiskey. Na verdade, Exu toma de tudo, desde o champanhe, bebido em momentos de passagens muito especiais, à cachaça comum.

A cerveja é outra bebida que merece destaque. É comum ser oferecida à beira das estradas para Ogun . Os refrigerantes, por sua vez, são oferecidos à Ibeji, exceto a coca-cola que parece não participar das comidas que acompanham alguns pratos rituais.

Estas bebidas alternam-se nos terreiros, ao lado do tradicional, aluá, ou aruá, bebida africana fermentada, após três a sete dias numa vasilha de barro, feita com gengibre e rapadura. Ou ainda com abacaxi, ou milho. Dentro do ritual o aruá cumpre várias funções. Ao lado da àgua, é a bebida que não pode faltar.

Há ainda os mingaus, mingau de mungunzá, mingau de carimã, o mingau de tapioca , o arroz doce de beber e até mesmo o dengué.

O mungunzá é uma bebida feita de milho branco cozido, temperado com leite de côco e açúcar e um pouco de sal.

Carimã é a massa obtida da mandioca após deixá-la de molho na àgua, de três a sete dias a fim desta amolecer.

Para se fazer o arroz doce de beber, cozinha-se o arroz bem cozido depois acrescenta-se leite de cocô e açúcar e um pouco de sal para equilibrar o doce, como se diz.

O dengué surge sempre associado à Oxalá. É uma bebida feita de milho branco cozido, comida preferida deste ancestral, acrescido de àgua e açúcar.

Há ainda, bebidas sobre as quais não se falam, feitas na hora, como alguns chás e beberagens. Como algumas comidas, certas bebidas inserem-se no mistério do mundo do segredo das folhas, domínio de Ossain que conhece todos os encantamentos.

Uma cozinha africana?

Já no seu tempo, Nina Rodrigues, ao finalizar o capítulo sobre algumas nações africanas no trabalho sobre “ Os Africanos no Brasil ” , ao referir-se à arte culinária e à marcante presença de hábitos africanos, sobretudo na Bahia, chama a atenção para o fato de que é difícil precisar, devido ao estado atual dos costumes, a quais grupos pertenceriam determinada comida. Salvo o famoso arroz de haussá que, de acordo com a sua designação, expressaria sua origem, levando-se a crer que , se não toda a culinária, a maioria dos pratos deveria ter provindos dos negros sudaneses.6

Manuel Querino é um dos poucos autores que assinalam a contribuição dos grupos banto ao lado dos minas, à culinária chamada de africana, contrariando a tese daqueles que insistem na predominância eminentemente nagô nesta cozinha. Diz Querino: “ Entre as mais peritas na arte culinária destacavam-se angola, jeje e congo...” 7

Nos terreiros, esta cozinha, marcada por uma série de preceitos e interdições, vai aparecer relacionada diretamente aos Orixás através das chamadas “comidas de santo”. Assim, cada Ancestral recebe em dias especiais pratos de sua preferência. Não se trata porém só de comer: o que se come, o que não se come, quando se come, com quem, participam de um todo integrado que diz respeito à códigos imprescindíveis dentro do “cardápio dos Orixás”. E mais ainda, esta comida dentro da dinâmica do terreiro é um dos veículos de vital importância para a transmissão e distribuição do Axé. Cabe, então, buscar responder a duas questões: a primeira diz respeito ao que faz com que esta cozinha seja “africana” e depois, o que faz com que a comida seja comida de santo.

Seja a “comida de santo” reelaborada a partir de técnicas e maneiras de predominância banto, jeje ou nagô-yorubá, fato é que, desde cedo, alguns africanos e africanas foram aproveitados para o serviço culinário, produzindo, desde então, modificações nas refeições à moda do Reino.8

Outro fator que deve ser considerado é a falta de mantimentos num país, desde os seus começos, assolado pela fome. Da nova terra, o português, ao lado das caças e muitos frutos, só pode aproveitar a mandioca e o milho, mantimentos básicos que sustentavam seus habitantes.

Situações diferentes, viviam os africanos da cidade. Sobre a escravaria urbana, somente nos últimos anos começaram a ser realizados estudos mais elaborados e profundos. Segundo Edison Carneiro, o aparecimento do negro doméstico ( negro de aluguel e de ganho) estava eminentemente relacionado com o momento econômico em que os africanos passaram a exercer trabalhos de confiança, em que eram escolhidas as mulheres mais bonitas e os homens mais sociáveis para vender nas ruas.9 Isso teria ocorrido no século XVIII, sobretudo no Nordeste. Carneiro, todavia, não desconhece que os africanos, desde cedo, ocuparam as cozinhas, e nelas introduziram, como puderam, seus modos e aos poucos foram modificando o que se comia .

Os ingredientes africanos ou vindos da África como o quiabo, a vinagreira, o inhame, a erva doce, o gengibre, o gergelim, os bredos, o amendoim, as melancias, o azeite-de-dendê e outros, foram entrando aos poucos no Brasil de acordo com as exigências do tráfico ou da população que aqui se estabelecia, como por exemplo, o óleo de palma importado da costa da Mina, trazido através de passaporte, após decretada a ilegalidade do tráfico a partir do século XVIII. Não é possível, no entanto, se pensar nesta cozinha e nem em nenhuma outra somente a partir de tais elementos. Ela é mais do que um conjunto de materiais naturais que podem ser adaptados ou substituídos. A própria adaptação e substituição obedece a uma certa ordem inscrita nos mais remotos tempos, fazendo com que a comida não perca seu sentido nem se afaste da visão de mundo que ela representa. O que dá identidade a determinada comida não é a origem dos vários ingredientes combinados, mas a maneira como estes elementos são combinados. E estas maneiras obedecem a determinados ritos que lhes dão sentido e, como tais, apresentam-se como algo criativo. Assim, é completamente arbitrário buscar precisar datas para essa culinária, entendendo esta como algo parado, fechado, se o próprio tempo se incumbiu de dinamizá-la.

Neste trabalho dinamizado pelo tempo, é essencial chamar a atenção para um fato de que poucos se deram conta, além do etnólogo Pierre Verger: a participação do Oceano como um fator de ligação, mais que de separação.10 Não se pode esquecer que por ele, vieram várias permutas alimentares trazidas pelos europeus para o Novo Mundo, entraram muitos elementos africanos que voltaram abrasileirados de uma Nação onde o elemento negro era os pés e as mãos, parafraseando Antonil, e mais ainda, onde era quase que impossível após três séculos de convivência não impregnarem a sociedade com profundas marcas.

Era impossível, diante dos novos quadros sócio- culturais, políticos e econômicos, que estes modos de fazer, técnicas e maneiras das diversas etnias africanas, não fossem visivelmente sentidas, ao lado de tantos outros. Bem como não terem incorporados outros elementos da sociedade que estavam inseridas.

As condições de possibilidade para se pensar uma “ cozinha africana” não podem ser pensadas a nível cronológico, assim como não pode prescindir desse tempo. Elas vão acontecendo, se dando, de acordo com o tipo de situação servil ou livre e o lugar em que vivia o africano, variando, desde o primeiro momento em que dividiu a cozinha com a cunhã, até quando pode, ante às novas condições suscitadas pelo processo histórico, negociar com um tabuleiro. Certamente será, sobretudo, na cidade, a partir do século XVIII que estes usos e abusos mais poderão ser sentidos, seja nas mesas ou nas ruas como mercadoria cantada.

“Cozinha é lugar de truque”

Seja fazendo o uso de ingredientes nacionais ou de outros vindos do além mar, conservando, recriando ou inventando alguns pratos, a “africanidade” sugerida pelos pratos que compõem “a cozinha de santo” não se explicam pelos ingredientes que entram na sua composição, mas pelas técnicas, maneiras, pelo tratamento recebido por eles. A Cozinha é um lugar de ritual. Bastide assinalou muito bem isso:

“ A cozinha não é feita unicamente por mãos peritas; a cozinheira nela põe, com suas mãos, também o coração- como o diz- Isto é, seus complexos, traumatismos, recalques e pensamentos secretos. Se ela não permite que estranhos penetrem no local de seu trabalho, não é apenas por ser ele um santuário do qual ela é a sacerdotisa, e a cozinha uma religião da qual ela celebra o ritual. É também porque ela aí está inteiramente nua.” 11

Não se trata de voltar à África, mas fazer com que a comida se faça “africana”, ou seja, remonte a histórias e passagens, visões de mundo associadas aos Ancestrais, princípios universais ou Antepassados, aos primórdios dos tempos quando estes fundaram a humanidade, constituíram as cidades e criaram os diferentes grupos. Visões de mundo juntadas à inúmeras outras experiências históricas constituídas no Novo Mundo É este fazer, que faz com que tal comida seja comida de santo.

A invenção e a recriação, ao lado das continuações, não são feitas aleatoriamente. Embora se liguem diretamente às circunstâncias múltiplas e variadas de cada terreiro, inserem-se num universo mais amplo, ligado a um passado expresso em determinados preceitos, códigos, explicações e silêncios que regulam os porquês, os modos e as formas de se pôr à mesa.

A comida de santo diferencia-se, assim, daquela, do dia a dia. Uma coisa é cozinhar o inhame, cortá-lo em pedaços para o café. Outra é preparar este mesmo inhame para Oxalá, quando variam desde o tamanho, e a forma das raízes, os procedimentos observados para feitura de tal prato e por fim, as palavras ditas para “encantar” a comida. Fazer um feijão de azeite não é o mesmo que preparar um Omolocum. Enquanto, para se fazer o primeiro, somente se separa a sujeira, o segundo exige que se escolha os grãos maiores, perfeitos. Nada pode escapar, afinal, Oxun liga-se à fecundidade. Não é simplesmente fazer um caruru, cortar os quiabos, acrescentar cebola, camarão e azeite de dendê. É cortar de diferentes formas, ou como se diz: “de forma certa”, conversar com o quiabo, assim por diante... Os Orixás comem comidas mais elaboradas.

Embora os ingredientes sejam os mesmos, muda o tratamento que estes recebem. E a forma, como estes são tratados expressa seu sentido através de um ritual onde nada é por acaso. Assim, Exu pode comer de tudo, como outrora fez, segundo um de seus mitos. Ogun pode receber a feijoada, uma vez que as carnes gordas lhe pertencem. Ele também é um tropeiro. Bem como no dia de sua festa distribuir pães de trigo numa sociedade onde este é o pão de cada dia . E Oxossi, por se ligar à terra receber todos os frutos dados pelo Novo Mundo.

A elaboração das comidas oferecidas aos Orixás segue um ritual diferente daquele realizado no dia a dia para a feitura dos “mesmos pratos” que aparecem nos cardápios e self-service. Certo que os Orixás comem, o que os homens comem, porém, recebem à seus pés, nos terreiros, comidas onde os modos de preparar, ao lado dos saberes: palavras de encantamentos ( Ofó), rezas ( Àdúrà), evocações (Oriki) e cantigas (Orin) ligados às estórias sagradas ( itan) são elementos essenciais e vitais para a transmissão do Axé.

No terreiro, este ritual vai apresentar-se como algo criativo. As variações nos modos de preparar determinada comida mostram que há uma constante busca de legitimidade através da qual, as diferenças são constituídas.

As continuações, recriações e invenções na comida de santo, orientam-se por um conjunto de saberes, técnicas e maneiras ligadas a uma matriz cultural revisitada a todo tempo, articulada através de sentimentos e da íntima relação com a Natureza, onde o Sagrado é elemento constitutivo da vida da comunidade e acompanha as pessoas muito antes do seu nascimento e depois de sua morte. Daí o abuso no uso dos mais variados grãos, raízes, certos condimentos como a pimenta e o azeite-de-dendê e da técnica de tudo enrolar na folha de banana mais a observância: de alguns preceitos, da ordem seguida para preparar determinados pratos, de certas horas, de como servir e quando.

Indagando certa vez, sobre a importância da folha de banana dentro da culinária dos Orixás, ouvi a seguinte explicação:

“ A bananeira está ligada à Oxumarê, e ele que é macho e fêmea, liga-se ao crescimento e ao desenvolvimento. Talvez seja por isso que a técnica de embrulhar ns folha de banana apareça em muitos pratos. Eu não sei o certo. Por sua vez, ela está associada à morte, ao processo de individualização de cada ser. É isso!... É preciso que ela exista para que haja a vida, o crescimento e a expansão da existência.”

Explicações semelhantes vão ser dadas para cada prato. Talvez destes, só consigamos visualizar os conteúdos que entram na sua composição, o que já fizeram muitos autores, porém, apreender todo o sentido que estes encerram dentro de si, bem como as visões de mundo que expressem, é tarefa quase que impossível. São elas, todavia, que fundamentam as continuações, recriações e invenções na comida servida pelos devotos aos Orixás, através de truques inseridos no tempo de uma tradição dinâmica onde o não saber, o não ouvir e o não ver, cabem em qualquer lugar.

E o tempo não pára...

Nos últimos anos, várias linhas de pensamento vem insistindo na mudança e transformação desse patrimônio sócio, cultural, político e religioso face às mudanças da sociedade. Se a suposição de um todo integrado no Candomblé significa a criação de uma nova religião e uma ficção criada pelos cientistas sociais, tão ilusória é, também, a suposição de que este complexo não existe, ou ainda, que se orienta seguindo os rumos do progresso e caminha com os passos da modernidade.

É importante procurar perceber as formas através das quais, as comidas de Orixá dialogam com essa sociedade racionalizada. Ou, ainda, buscar descrever e acompanhar a utilização dos eletrodomésticos, para feitura de determinados pratos, perguntando, como a comunidade utiliza isso. Ou seja, como se dá a passagem dos métodos antigos para os novos, como por exemplo, a substituição de todo processo de feitura do akarajé, escolha, lavagem do feijão, etc. para o simples preparo da massa que já vem industrializada.

Certa ocasião, presenciei uma Yalorixá dizer que o Orixá de determinada pessoa deveria se acostumar comer o akassá feito com a farinha de milho branco já pronta, dispensando o método tradicional, mais demorado de preparar.

Certo que na grande Metrópole, governada pelo relógio, pouco tempo se dispõe para cultuar um Sagrado que exige muitas horas de dedicação e na qual, os Orixás comem o que os homens comem. Deve-se perguntar, então, se certas adaptações e substituições regem-se pela necessidade, portanto são um fato, ou se podem, simplesmente, ser tomadas como condições para a sobrevivência desses Orixás na Metrópole.

Participei, certa ocasião, da festa de Nanã. Ao contrário das comidas tradicionais associadas à este Ancestral, havia somente frios, queijos e saladas. E Nanã não deixou de dar a mesma volta ao redor daquelas comidas que daria na mesa de seus mingaus. Parece que o surgimento de alguns pratos, ou ainda, de certas concepções, não significa que os fundamentos foram diluídos no contexto da cidade, mas ao contrário, que permanecem apoiados em suportes que não podem ser ignorados. A suposição de um impacto das novas condições de vida sobre o papel desempenhado pela religião dos Orixás deve ser mais uma pergunta do que um pressuposto. Mais desafiadoras são as teias de comunicação, formas de diálogo desenvolvidas pelos terreiros para marcarem sua presença e colocarem estes produtos à serviço dos próprios Orixás.

É verdade que o Candomblé não pode mais voltar à tribo, nem se prender à laços étnicos. Todavia, não pode ignorar pressupostos reorganizados por homens e mulheres profundamente conhecedores de sua cultura de origem . Embora não se possa conservar, na maioria das vezes, por conta dos laços rompidos pela escravidão, a idéia de ancestralidade, a memória do antepassado permanece viva nos terreiros, até nos mais recentes, seja através de quadros, cadeiras, comidas, ou passagens da sua vida. Vários trabalhos já insistiram sobre a importância da idéia e do lugar ocupado pelo antepassado dentro do Candomblé. Assim, nomes como o do Tio Bamboxé, Mãe Aninha, Tia Massi, Mãe Menininha, Sr. Manoel de Neive Branca, Pai Bobó, Mãe Runhó, Nezinho do portão, Mãe Caetana Bamboxé e tantas outros, evocados no Padê, junto a nomes de antepassados transportados do além mar, constituem referências vivas de uma tradição que dialoga e se expressa no tempo histórico.

A comida de Orixá, os procedimentos rituais, encontram-se fundamentados nos ensinamentos das pessoas que plantaram, fundaram, iniciaram, reorganizaram o culto dos Orixás no Brasil. E que, certamente, não prescindiram do limite do seu tempo.

Enquanto houver casas onde determinados procedimentos rituais de preparar as comidas continuarem sendo feitos na sua forma mais arcaica possível, mesmo que em alguns momentos, isso seja alterado, utilizando alguns aparelhos eletrodomésticos, é por que os “fundamentos” não foram sucumbidos pelo processo de crescimento e mudança da cidade como alguns supõem.

Significa dizer, que os olhares otimistas que privilegiam a mudança da Religião dos Orixás, face às transformações da cidade, mais uma vez se enganaram, porque nem sempre o que se diz corresponde ao que se faz. Os orikis, ofós, itãs, modos de fazer e determinadas explicações, constituintes do segredo, são mais do que uma estratégia de sobrevivência do grupo. Constituem uma linguagem que as teorias da sociedade moderna não conseguiram ainda decifrar por assentar-se no não ver e não saber, nos truques e “faz de conta” . É ela que continuará sendo o maior desafio não para os que apostam no seu desaparecimento, mas para os que virão.