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sua glória”. Também encontramos em Verger o banho no rio como processo simbólico
para “se despir de sua antiga personalidade”. Uma outra passagem ilustra esta
característica do culto: Verger relata o fato de Roger Bastide ter recebido na Bahia “um
colar de pérolas de vidro vermelhas e brancas alternadas, cores simbólicas de seu deus”,
o que por ele era considerado um “passaporte” que facilitava sua ligação com
cultuadores de orixás na África e o identificava como “filho de Xangô” (LÜHNING,
2002, p.47).
Os elementos simbólicos “criam” e se “envolvem” em uma metafísica transcendental,
de modo que, o iniciado não se inclina diante da madeira, porcelana, barro, palha ou
pedras, mas diante do abstrato-sagrado, veiculando a essência mística que simbolizam.
Neste sentido, o ogó e a cabaça de Exu – que citei acima como sendo ícones porque
guardam semelhança com o órgão sexual masculino –, tornam-se símbolos de alta
magia: o ogó, espécie de cetro mágico, pode transportar Exu para os caminhos mais
longínquos, e sua cabaça lhe confere ligação à ancestralidade feminina e masculina e a
criação do mundo. Exu está ligado a estes símbolos por ser o portador mítico do sêmem
e do útero ancestral (SANTOS, 1986, p.130). Aliás, não só Exu simboliza um poder
fálico. Serra (2006, p. 297) dá conta de que Ogum, deus agressivo e criador, em
diversos mitos e rituais aparece ligado à questão da criação. Neste sentido, à Ogum
também são conferidas características fálicas: seu facão e a vara de ferro com a qual
manipula magias estão sempre presentes, além de ser o número sete, o que mais está
associado a este orixá, o “que tem grande importância cosmológica no sistema”.
Os símbolos são estratégias para englobar situações e sua interpretação, “uma vez
descoberto seu nexo ontogenético, seu ou seus referentes, permite-nos tornar explícita a
realidade fatual” (SANTOS, 1986, p. 23). Por isso, posso afirmar que os mitos são
símbolos que transcendem o dito comum “lendas populares”, são mitos africanos que
apreendem em seu contexto símbolos universalmente reconhecíveis com significação
psicológica e espiritual (FORD, 1999).
4. Pensando em concluir: o “culto” semiósico
Assim, o jogo semiósico vai se estabelecendo entre o sujeito e o mundo, sujeito e
deuses, deuses e mundo, por meio da mediação sígnica.
É possível dizer que no candomblé, são os mitos que enquanto interpretantes – efeito
interpretativo que o signo produz –, referendam os rituais.
O mundo construído pelos ritos e seus mitos se dá, portanto, em termos semióticos,
através da apreensão dos objetos por meio das categorias que participam da semiose.
Em outras palavras, o sentido não é uma criação de um eu transcendental, mas uma
construção, resultado do encontro e da relação de um signo com outro signo, o que se dá
continuamente, infinitamente, mesmo sem que nos apercebamos disso.
No tocante ao culto aos orixás, o homem – também sendo ele um signo – está diante de
estruturas que se expressam por símbolos – “toda a religião, sua morfologia, sua prática,
todos os seus conteúdos (...)”. Por isso, “desvendar as correspondências dos símbolos e
os interpretar nos permite explicitar os conteúdos do acontecer ritual” (SANTOS, 1986,
p.25). O homem, sem dúvida, cria os signos que compõem os mitos e os rituais com
seus símbolos significantes, mas também é controlado e criado por eles, numa contínua
retroalimentação da semiose.
Os conceitos semióticos, com suas categorias, apresentam como interpretamos, como
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